30/11/2015

JOSÉ LUÍS RODRIGUES

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Sinais dos tempos: 
A crise de identidade 
dos conventos

O ano dedicado à «Vida Consagrada» entre nós não podia ficar ensombrado da pior forma. Para já duas notícias trágicas ficarão para história deste ano. 

Primeira. A Polícia Judiciária apreendeu, na semana passada, vários objetos usados para castigar e flagelar noviças da Fraternidade Missionária Cristo Jovem, em Requião, Famalicão, tendo constituído arguidos um padre e três freiras, por crimes de maus-tratos, rapto e escravidão.

A segunda. A Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP), teve a ideia maluca (porque perigosa como ficou demonstrado) de pôr a circular por todo o país uma bicicleta de 12 lugares, que percorria desde agosto passado o país, passando por mosteiros de clausura e lugares mais significativos de muitos santos, permitindo assim dar visibilidade à vida consagrada a Deus e ao próximo. Mas na semana passada o original veículo teve um fatal acidente. A Irmã Maria do Carmo morreu neste acidente. 

Obviamente, que não é com alegria que vejo a dita «Vida Consagrada» definhar. Os conventos foram lugares de santidade inigualável, espaços privilegiados de estudo que contribuíram para o progresso da humanidade a todos os níveis. Pelos conventos brilhou a cultura em geral destacando-se a riqueza e a beleza da música, as enormes coleções de livros, a culinária, a investigação científica, o pensamento filosófico, os laboratórios, o desenvolvimento agrícola e nenhuma dimensão humana foi descurada pelo trabalho dos conventos. Não esqueçamos o quanto foram importantes para fixar as povoações e como foram portos de abrigo para matar a fome material, cuidar da saúde e saciar a sede de Deus para tantos homens e mulheres de tantos lugares do mundo e nos diversos momentos da história da humanidade, especialmente, as ocasiões da guerra, da peste e da fome.

Mas não podemos também deixar de ver que os conventos foram lugares de verdadeira «escravidão» em nome da «santa obediência» e em nome da desigualdade que ali se vivia como um desígnio divino. Tudo isto e as mudanças humanas que se foram verificando com o passar dos anos, levaram à escassez de vocações para a «vida consagrada». Hoje várias congregações e conventos definham. São autênticos lares de idosos/idosas sem sangue novo que lhes garanta olhar o futuro com um sorriso de esperança.

Há também razões alheias à «vida consagrada», com toda a certeza, para a convalescença dos conventos. Mas essencialmente a «doença» deriva da perda de identidade da «vida consagrada». Os conventos converteram-se em centros administrativos de escolas iguais às outras ou centros de acolhimento de doentes sem que seja prioritário ser fiel à mensagem dos seus fundadores. Estão dominados os frades e as freiras pela Segurança Social de acordo com as políticas levadas a cabo pelos partidos políticos que assumem a governação. São a mão caridosa do poder político em muitas situações.

Esta perda de identidade, que passa pela infidelidade ao carisma dos seus fundadores e a subjugação ao poder político vigente, conduziu os conventos à sua inutilidade e a consequente morte das causas que defendiam. Por isso, hoje temos congregações religiosas todas muito iguais, não se percebe para que serve cada uma e qual é que é o destino de cada uma. Os que restam nos conventos e nas congregações religiosas, são alguns homens e mulheres idosos aflitos para segurarem o vasto património que têm entre mãos, que resultou do seu momento histórico de esplendor.

A «vida consagrada» não pode esquecer deliberadamente a dimensão da fraternidade, não pode ser motivo de desigualdade onde os mais antigos são senhores e reis que dominam os mais novos, não pode ser um caminho de mordomias para comem bem e os outros comerem sobras ou uma zurrapa qualquer só porque começam agora, não pode ser fechada do mundo e da vida social de hoje, não pode recorrer à escravidão e à subjugação dos candidatos, não pode ter como chefes pessoas doentes ou suspeitas de alguma mazela pouco edificante, não pode ser apenas e só administradora de vasto património, não pode deixar as suas causas e a razão de ser da sua existência que normalmente estava associada aos pobres, à educação e à saúde dos mais necessitados. 

É urgente que a dita «vida consagrada» se reencontre com o espírito dos seus fundadores e nos mostre em que é que se distingue para que a partir daí os jovens estejam disponíveis para abraçar causas que libertam e promovem o bem comum.

*PADRE 

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
29/11/15


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