02/11/2015

FRANCISCO ASSIS

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A falsa tese 
da marginalização política 
da extrema-esquerda

1. A comunicação presidencial da semana passada teve, entre outras, a consequência nefasta de consolidar a ideia de que ao longo dos últimos 40 anos se viveu num regime de apartheid político com a exclusão dos partidos situados à esquerda do PS. 

Com o apoio activo de alguns sectores do Partido Socialista – nuns casos por pura má-fé, noutros por manifesto desconhecimento da nossa história democrática – os partidos da extrema-esquerda têm vindo a impor a tese segundo a qual foram objecto de uma ostensiva marginalização parlamentar de carácter não democrático. Ora isso pura e simplesmente não é verdade. E não só não é verdade, como constitui um monumental embuste directamente filiado na tradição leninista e estalinista de falsificação primária dos fenómenos históricos. Que aqueles que ainda hoje se reconhecem nessa tradição política se dediquem a tais práticas não pode constituir motivo de especial surpresa; que haja sectores do Partido Socialista dispostos a aderir acriticamente a tal tipo de procedimentos e até a participarem entusiasticamente neles já é razão para uma reacção indignada. 

O conceito de “arco da governação” nunca teve, da parte de quantos perfilham os princípios e valores de natureza demo-liberal, um significado ontológico ou sequer normativo. Tão-pouco ele resultou de uma vontade premeditada de exclusão de quem quer que fosse do debate político nacional. E de tal forma assim foi que em bom rigor essa exclusão jamais se verificou. Senão vejamos: os deputados do PCP e do Bloco de Esquerda – uns logo desde o início da Segunda República e os outros mais recentemente – contribuíram para a tomada de decisões parlamentares da maior relevância pública. 

Foram determinantes para derrubar governos, concorreram para a aprovação de legislação de inegável importância, participaram activamente no processo de fiscalização da acção executiva. Carece por isso de qualquer fundamento a proclamação em voga de que esses partidos vão agora ser resgatados a uma espécie de condição de clandestinidade parlamentar a que estariam votados.

Ao longo destes 40 anos a extrema-esquerda estabeleceu como verdade axiomática o princípio de que a direita começava na sua própria fronteira e que, no fundo, não haveria substanciais diferenças entre o PS, o PSD e o CDS-PP. Recordemos como fundamentavam tal afirmação. No 25 de Novembro, o PS, aliado à direita e a sectores conservadores das forças armadas, tinha interrompido um processo revolucionário destinado à edificação de uma verdadeira sociedade socialista; ao liderar o processo conducente à adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, o PS desvelava a sua genuína natureza de partido empenhado na consolidação de um modelo de sociedade situado nos antípodas do modelo autoritário e colectivista preconizado pelos seguidores da ortodoxia leninista pró-soviética; ao participar activamente em sucessivos processos de revisão constitucional, visando a depuração da lei fundamental de uma ganga pró-marxista manifestamente alheia aos caminhos democraticamente escolhidos ao longo de sucessivos actos eleitorais, o PS foi identificado com os adversários dos “valores de Abril”.

Perante tudo isto não é de espantar que a extrema-esquerda nunca tenha votado senão contra todo e qualquer projecto de Orçamento do Estado apresentado pelos vários governos socialistas e nunca tenha manifestado a mais ligeira aproximação sempre que estiveram em causa votações relacionadas com a adesão e participação de Portugal no projecto europeu. Bem pelo contrário. Nessas ocasiões usaram de uma retórica extremista com o intuito de apoucar as legítimas opções feitas pelo Partido Socialista. Fizeram-no impiedosamente, atacando o esforço bem sucedido de construção e ampliação do Estado social que constitui património da nossa democracia e factor de promoção da liberdade e da igualdade. 

Como tal, só é possível extrair uma conclusão séria: a extrema-esquerda parlamentar optou deliberadamente – com uma legitimidade, de resto, inatacável – por um acantonamento político impeditivo de qualquer participação não só na esfera estrita da governação, como no horizonte mais vasto de definição das grandes prioridades nacionais. Não foi excluída: auto-excluiu-se em nome da fidelidade a um modelo de regime e de organização económica e social claramente repudiado pela maioria dos cidadãos portugueses. 

Tentar inverter a situação releva de despudorado cinismo político. Seria bom que alguns actuais deputados do Partido Socialista que andam por aí levianamente a proferir barbaridades olhassem com mais rigor para a história do partido que conjunturalmente representam.

IN "PÚBLICO"
29/10/15


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