29/11/2015

CATARINA CARVALHO

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Sobre uma irritação 
com dedos em riste

Nos vídeos do Estado Islâmico há sempre dedos espetados. Ameaçadores. Dadores de lições de que não precisamos.

Um dedo estendido. O vídeo do ISIS – ou ISIL, ou DAESH, escolham como chamar-lhe porque a mim só me apetece nomeá-lo por palavras que não podem ser escritas numa revista séria –, o vídeo pós-atentados de Paris, passa uma e outra vez nas televisões internacionais. Tem homens barbudos de turbantes e com armas na mão. Alguns têm lenços descolorados, outros, pretos. Todos têm armas na mão que empunham como quem o faz com um troféu. Nenhum soldado normal agarra na sua arma assim.

Nenhum soldado tem tanto orgulho na sua arma – costuma ter mais orgulho em si próprio ou nos valores que defende e por que faz a guerra. Os guerrilheiros do tal ISIS, ISIL ou DAESH dependem daquelas armas, elas são a única coisa que atesta a sua força num mundo inteiro que lhes é completamente hostil.

E há os dedos. Espetados, em riste. Em todos os vídeos. Com todas as personagens. Acusando. Ameaçando. Todos os porta-vozes têm, nestes vídeos, o dedo estendido e, enquanto falam, apontam na nossa direção. Já repararam? Empunham-no perante as câmaras que os filmam e sabem que o fazem na nossa direção, dos que os estaremos a ver através da internet.

Não ameaçam apenas Obama, Hollande ou Cameron. Fazem-no com todos nós, cidadãos do mundo. Somos os seus alvos e a nós se dirigem. Com o dedo em riste. E não, não lhe chamem máquina de propaganda altamente organizada, por favor. Os vídeos têm qualidade, é verdade. Mas qualquer adolescente que tira selfies sabe o que é fazer um vídeo e parecer ameaçador.

Este é um pormenor que me poria com os nervos em franja, não houvesse todas as outras razões para ter raiva. O que dizem, a estupidez da ameaça, o vazio do que significam. E as consequências trágicas que tudo isso já teve. Ora há, descobri depois da irritação, explicações simbólicas para o dedo em riste. Diz que é um sinal religioso. De um só Deus, que faz parte das primeiras partes de todas as orações sobre o profeta, e Deus, o único.

A última coisa de que me apetece falar é de religião, por estes dias. Mais uma vez, como em todas as circunstâncias recentes, pós-internet, o mundo ganhou nesta última semana mais uma mão-cheia de especialistas em religião, em geral, e em islamismo em particular. Há-os que já sabem os princípios que dividem sunitas de xiitas, o que levou ao aparecimento de salafitas, e conseguem quase dizer de cor as suras. Os que conhecem todas as razões para o aparecimento deste bando de radicais e, lá está, porque põem o dedo para cima.

O dedo em riste. Já me irritava quando havia dedos em riste a tentar educar-me, e havia razões para isso. Agora, não há. Ou haverá, sim, mas não as lições que me podem ser dadas por uns rapazolas que o que sabem da vida é como resolver problemas a rajadas de Kalashnikov. Dizem que me estão a dar lições de moral. Talvez. Porque eu vejo-os, com o dedo em riste, e apetece-me imediatamente soltar os cabelos, beber uma bebida bem forte numa esplanada de Paris. Ir ouvir o concerto de uma banda de que nunca ouvi falar. Dançar a noite inteira. Ou mandá-los a eles fazerem bom uso do seu próprio dedo em riste.

IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
22/11/15

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