25/11/2015

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HOJE NO
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António Costa. 
Vem aí o maior puzzle da vida de Babush

Os puzzles são uma mania do novo líder do PS, o político de carreira que dificilmente poderia ter tido outro percurso. Como foi António Costa até aqui?

Nota: Este texto foi originalmente publicado em Novembro de 2014, depois de António Costa ter chegado à liderança do Partido Socialista. Republicamo-lo hoje que foi indigitado primeiro-ministro.

Babush no dialecto concani (de Goa) é menino em português, mas no vocabulário da família do novo líder do PS quer dizer António, António Costa. O menino tem 53 anos, assume hoje a liderança do PS e já é o candidato do partido a primeiro-ministro, mas ao tio materno continua a “não dar jeito” chamar-lhe António, mesmo quando estão em público.
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A relação entre os dois é tão próxima que adoptaram uma estratégia e ao “camarada-tio” que ouve ao seu sobrinho Jorge Santos responde agora “camarada-sobrinho”. Com conotação política, pois, que a política é o incontornável nome do meio de toda a família, tanto da parte do pai como da mãe de António Costa. Nasceu em Julho de 1961 em Lisboa. Entrou na adolescência em plena infância da democracia. Filho do escritor, publicitário e comunista preso várias vezes pela PIDE Orlando da Costa e de Maria Antónia Palla, jornalista, opositora ao regime, feminista e socialista (afastou-se do partido em 2006). Este contexto podia ter dado num percurso político muito diferente para António Costa? Dificilmente.

“Nasci de esquerda.” A afirmação saiu--lhe numa entrevista publicada em 2009 no “Jornal de Negócios”, mas a verdade é que o novo secretário-geral do PS foi sempre mais moderado que os pais, ou até o tio. “Eu era muito mais radical do que ele e um dia, na casa dos meus pais, tomei uma posição radical de esquerda numa discussão com a minha mãe a seguir ao 25 de Abril. Ele achou que eu tinha faltado ao respeito à avó e cortou relações comigo. Por escrito!” O episódio é contado, entre risos, por Jorge Santos ao i. António teria entre os 15 e os 16 anos quando escreveu uma carta ao tio – que descreveu como “uma figura muito importante” na sua formação – indignado com a atitude. Jorge Santos levou--o a sério e respondeu com igual formalismo, por carta. A zanga passou depressa.

Hoje em dia as fúrias de António Costa são mais audíveis. E não são raras no trabalho. Se o interlocutor não for útil na resolução do problema, o enfado transparece na cara do socialista. Costa é impaciente quando as coisas não correm ao ritmo que quer, grita, enfurece-se muito, e depois passa.

Não é de pedir desculpa depois destes momentos e a paz com o alvo da sua ira reconquista-a de forma indirecta, com um elogio sobre outra coisa qualquer, por exemplo.

Advogado, tropa e professor “Tenacidade, capacidade de trabalho e rigor.” São as três características que Vera Jardim encontra no lado profissional de António Costa. Viu, com Jorge Sampaio, o jovem licenciado tornar-se advogado. Mal saiu da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Costa estagiou no escritório em que os dois socialistas eram sócios do seu “camarada-tio”. Foi no final da década de 80, numa altura em que dava aulas na faculdade (Constitucional). Vera Jardim lembra que a dada altura António ainda acumulou a tropa, já que só cumpriu o serviço militar no final na licenciatura, tinha 27 anos. Depois da recruta, em Tavira, foi colocado na secção de Justiça do quartel-general da região de Lisboa, em São Sebastião. O escritório era próximo, na Duque d’Ávila, e “havia facilidade em deslocar-se”, conta Vera Jardim que lamenta a saída de Costa: “Teria feito uma grande carreira de advogado.”

Como estagiário era pau para toda a obra, apesar de ser o direito público que mais lhe agradava. “No estágio fazia-se de tudo, na altura o trabalho na especialidade não começava tão cedo”, diz Vera  Jardim que recorda o caso que “marcou mais” o agora líder do PS. Vuvu Grace, uma jovem zairense, e a sua filha Benedicte de seis anos chegam a Lisboa para visitarem o marido e pai. Ficam retidas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no aeroporto por falta de bilhete de regresso. A defesa de Vuvu foi assumida por Vera Jardim e António Costa, com o Ministério Público a defender o repatriamento.
O PS tratou de trazer para a ribalta mediática o caso que os dois advogados ganharam.

A meio dos anos 90, Jorge Sampaio ainda tentou convencer Costa a manter a actividade profissional no escritório, mas o bichinho da política puxava por ele e António precisava de mais tempo para lhe dedicar. Por essa altura deu-se a escalada política: era deputado na Assembleia da República (entrou em 1991), vereador na Câmara de Loures (eleito em 1993) e membro da direcção do PS (desde 1986). Em 1995 chegou a secretário de Estado, passando da mão de Sampaio para a de António Guterres com quem chegou a ministro, primeiro dos Assuntos Parlamentares e depois da Justiça. Foi eurodeputado por uns meses, eleito em Junho de 2004, e em Março de 2005 foi chamado por Sócrates para ministro da Administração Interna. Saiu em 2007 para Lisboa, até hoje.

O PS Em 1975, com 14 anos, Babush diz aos pais que vai inscrever-se no Partido Socialista. O secretário coordenador da Juventude Socialista era Alberto Arons de Carvalho, um jornalista, tal como Maria Antónia Palla. É a mãe de António que lhe conta a novidade e Arons lembra-se de o ter acompanhado na sua entrada. “Estava lá quando ele chegou” à sede da Jota, em São Pedro de Alcântara, para se inscrever. Entrou cedo na arena política, mas isso não espantou a família.

“Tinha discussões homéricas com o pai”, militante comunista, recorda Jorge Santos. “Sempre com enorme respeito mútuo. Mas não eram discussões de pai para filho, eram de comunista para socialista”, detalha. Durante toda a infância, na casa dos avós maternos, classe média alta, havia um jantar semanal sempre marcado por acesos debates. “Foi criado neste ambiente de confrontação, mas entre pessoas que eram muito unidas”, diz o tio que nunca estranhou o percurso político do “camarada-sobrinho”: “O caldo de cultura dele foi de uma família republicana, oposicionista ao regime.”

No bairro Cresceu em Lisboa, sempre na zona do Bairro Alto, onde vivia com a mãe. Os pais separaram-se logo no seu primeiro ano de vida e António Costa até já admitiu, em entrevista a Anabela Mota Ribeiro, “ter tido a sorte de terem estado separados. Deu-me a oportunidade de ter cada um deles em exclusivo”. O pai, que morreu no início de 2006, Costa descreveu-o como “reservado e afável”. E a mãe? “É a extroversão em pessoa.”

Há uma semana, quando venceu as directas do partido, um dos primeiros abraços foi para Maria Antónia Palla. A cumplicidade cimentou-se sobretudo nos nove anos (entre os quatro e os 13 de António) em que viveram apenas os dois, mas são espíritos bem diferentes. O socialista é reservado e até se descreve como um “tímido” que se “horroriza” em meter conversa com desconhecidos, em campanha por exemplo. Tem dezenas delas no currículo, mesmo na primeira linha, mas mantém este desconforto.

Com a mãe já não debate política há anos. Foi tenso o ano de 2006, em que António era número dois de José Sócrates no governo que acabou com a Caixa dos Jornalistas. Maria Antónia era a presidente e travou uma luta contra o ministro da tutela, Vieira da Silva. Perdeu e saiu da Caixa em 2007, rompendo com o PS. Sem saber manteve-se militante, mas gostava mais de ter votado no filho na condição de simpatizante nas primárias de Setembro. “No fundo, no fundo, votaria sempre no António”, disse em Outubro numa entrevista ao i onde deixou a porta aberta a dar uma nova oportunidade ao PS: “A partir de agora veremos.”

Não foi uma mãe exigente, cobradora de estudos e regras. Os tempos, e também o contexto dos pais de António Costa, eram de uma linha pedagógica de maior liberdade e responsabilidade individual. Maria Antónia era sobretudo a mãe que espicaçava a curiosidade e o espírito crítico do filho, sugerindo livros, música, levando-o a exposições e sobretudo a viagens. Antes do 25 de Abril, aos 12 anos, foram a Milão e, chegados ao hotel ao fim da tarde, deram conta de uma manifestação solidária com Salvador Allende (derrubado por Pinochet) e foram.

Em casa de família ou amigos, Babush cruzou-se sempre com a elite intelectual e cultural da época. Encontrava Sampaio, António Arnaut, Vera Jardim na casa do tio, e através da mãe convivia com Isabel do Carmo, figuras ligada às artes, como José Ernesto Sousa ou Marcelino Vespeira. E também jornalistas, colegas de Maria Antónia, como Rogério Petinga, Alfredo Cunha, Augusto Abelaria.

Depois de sair do Jardim Infantil Luso-suíço, António Costa fez o ciclo preparatório numa secção da escola Francisco Arruda que abriu no Conservatório Nacional, tinha um modelo de ensino avançado para a época. Com o 25 de Abril a secção sai do Conservatório e a sua directora, a pintora Isabel Laginhas, é saneada.

Nas ruas corria a Revolução e na escola correu “a justa luta do Conservatório”, como ficou conhecido na família de António Costa aquele que foi o seu primeiro acto politizado, tinha entre os 12 e os 13 anos. Os alunos ocuparam o Conservatório, houve chuva de pedras, intervenção do COPCON e decidiram chumbar esse ano. Um ano depois, o “Caso República” opôs comunistas e socialistas na redacção do jornal “República”. A esquerda deixou de estar do mesmo lado, na cabeça de António. “Essa ruptura que aconteceu na esquerda portuguesa entrou com muita força na minha vida”, disse na entrevista já citada.

Primeiras revoltas
Não era brilhante, mas nunca foi mau aluno. Era disciplinado e sobretudo autónomo. Vivia protegido num universo que se fazia entre a redacção do “Século Ilustrado”, onde trabalhava a mãe (e onde António Costa chegou a ter uma coluna de crítica de televisão aos 10 anos), a casa dos avós maternos e a casa da mãe onde uma empregada (que ficou com a família 40 anos) apoiava Maria Antónia.

Tudo na mesma zona de Lisboa. Nas deslocações em trabalho que levavam mais tempo, a jornalista deixava António com a sua mãe. Era também na casa dos avós que ficava sempre uma semana no Verão, com as duas primas, na viagem anual que o tio Jorge fazia a Paris. “As minhas filhas gozam. Dizem que o Babush é o filho que eu nunca tive.” Jorge Santos é reformado do Banco de Portugal, onde foi consultor jurídico e acompanhou, ao nível técnico, a adesão de Portugal à CEE e, mais tarde, os trabalhos de adopção da moeda única. Diz, orgulhoso, que é dos poucos que António Costa nunca deixa sem resposta e, por vezes, é chamado até a fazer ponte de informação entre a irmã e o sobrinho.

“O que o tira do sério – e isto acho que herdou de mim  – é que não tem paciência quando uma solução é evidente e tudo emperra para lá chegar.” A avaliação do tio é confirmada pelos que com ele trabalham. Miguel Alves foi adjunto de Costa no Ministério da Administração Interna e, depois, na Câmara de Lisboa. “Percebi que com ele não bastava a primeira resposta, porque ele interpela a partir daí. Um diálogo de trabalho com o António Costa é como um jogo de xadrez, temos de pensar logo na jogada seguinte”, descreve o socialista que é hoje presidente da Câmara de Caminha.

É visto como alguém que se prepara bem para qualquer reunião ou encontro. E apesar das fúrias nas situações mais triviais, “nos momentos de grandes decisões está normalmente calmo”, diz Miguel Alves. Aí torna-se impossível perceber o que lhe vai na cabeça, apesar de, na preparação da decisão, ouvir muita gente. Foi assim no início de 2013, na primeira crise com a liderança de Seguro. Só já quase na hora H é que disse aos mais próximos que avançava contra o líder e já durante um reunião da Comissão Política do PS reponderou e recuou. Sozinho.

Só no primeiro ano do ciclo preparatório é que a mãe o inscreveu na escola, daí em diante fê-lo sempre por si. Também era sozinho que, quando era pequeno, fazia a mala para ir passar os fins- -de-semana a casa do pai. Orlando da Costa foi uma presença constante da vida do filho, sendo visita assídua da casa da ex-mulher onde até passou o seu último Natal. Aos 17 anos levou António pela primeira vez a Goa, com a nova mulher e o outro filho, o jornalista Ricardo Costa. Foram passar o Natal. A origem brâmane (a casta mais alta da Índia) não é assunto de relevo para António, o seu contexto é marcadamente português. Prova disso é que para essa viagem com o pai, a mãe até lhe sugeriu que levasse um livro do prémio Nobel indiano Rabindranath Tagore para se ambientar. António preferiu levar “Os Maias”.

Casou aos 27, saído da casa da mãe. Conheceu a mulher, Fernanda Tadeu, no liceu Passos Manuel, mas só namoraram mais tarde. No tempo da faculdade, Costa era descrito pelos colegas como “romântico e apaixonado/Mas não sabia bem por qual” (ver ao lado). Está casado há 27 anos, tem dois filhos (Pedro e Catarina). Dizem que gosta de roupa, sobretudo sapatos, gosta de jogar ténis, cozinha, visita frequente o mercado de Alvalade para a preparação das empreitadas gastronómicas. Tem uma fixação: puzzles. De milhares de peças. Está a par da novidades nas lojas da especialidade, encomenda o que está para sair. Sempre complicados. O mais complexo de todos vai começá-lo hoje na FIL de Lisboa. 

* Desejamos ao novo primeiro-ministro que faça bem ao país, os seus antecessores Socrates e Passos Coelho puseram os portugueses de rastos.

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