03/10/2015

PEDRO MARQUES LOPES

.




O estado da arte

Além dos habituais indecisos, cujo número pouco varia de eleição para eleição, há dois dados que as sondagens parecem revelar de maneira clara: a maioria das pessoas, que declaram ir votar, não querem que a coligação PAF continue a governar e que a vitória da PAF ou do PS será por uma pequena margem. Assim, a maioria dos votantes sabe o que não quer, mas não sabe o que quer.

No universo eleitoral existe cerca dum terço que não tem dúvidas de que a governação dos últimos quatro anos foi a melhor possível e confia que o bom trabalho será prosseguido. Corresponde, aproximadamente, ao limiar mínimo histórico de votantes no PSD e CDS. Para estes, não havia forma de evitar a maior emigração de que há memória num tão breve espaço de tempo, nem o empobrecimento generalizado, que o crescimento brutal do desemprego era necessário, que a maior carga fiscal de sempre era fundamental.

Por outro lado, para esses eleitores não é necessário saber o que se propõe para os próximos quatro anos: eles confiam. Qualquer tipo de discurso que acuse a coligação de não ter programa é-lhes absolutamente indiferente. É com estes cidadãos que a coligação conta para ganhar as eleições. O PSD e o CDS prescindiram de tentar captar outro eleitorado. Os indecisos, os que não gostaram da governação, mas poderiam pensar que iria existir uma nova orientação, precisariam de pelo menos saber que caminho seria esse. Assim sendo, a coligação prescindiu deles. A estratégia é convencer quem não vai votar nela a não votar ou, pelo menos, a não votar no PS. Toda a campanha é para aí dirigida: gerar desconfiança nos socialistas, desde lembrar os erros do passado até à constante tentativa de descredibilizar as propostas do PS. Aliás, os temas da campanha têm sido as propostas do PS e não a governação da coligação ou as propostas desta para o futuro que, pura e simplesmente, não existem.

O PS tinha essencialmente dois desafios: o primeiro seria mostrar que a governação tinha sido má e, sobretudo, levado às consequências conhecidas. Não é que os socialistas tenham feito um grande esforço para tentar mostrar isso às pessoas. Basta, aliás, ter observado o que aconteceu nesta semana: quando ficou patente que não se vão cumprir os objetivos do défice para 2015 e o discurso óbvio era lembrar que todos os esforços que foram impostos aos portugueses foram em função do cumprimento das metas que não vão ser cumpridas neste ano nem foram nos outros, o PS falou do aumento do de 2014 e do efeito BES, que rapidamente as autoridades europeias vieram dizer ser meramente contabilístico.

Seja como for, pouco por ação do PS mas pela dura realidade vivida, a grande maioria dos eleitores não aprovam a governação nem confiam na coligação para o próximo ciclo político. E entrava aqui o segundo grande desafio do PS: mostrar que formaria um melhor governo e que era a única alternativa. Ora, nem os descontentes, que não votarão na PAF, acham, pelo menos até agora, que o PS fará melhor, nem os que pensam votar noutros partidos de esquerda estão convencidos de que os socialistas mereçam o chamado voto útil.

Convenhamos, dado o estado do país - e não discutamos agora se por culpa inteira ou parcial do governo PSD-CDS -, que por muita propaganda que se possa fazer está numa situação desesperada, com níveis de endividamento público e privado gigantescos que o tornam tão exposto como em qualquer outra altura a uma pequena constipação económica internacional, com um desemprego mascarado e declarado enorme, com uma necessidade absoluta de investimento e sem se saber donde poderá vir, com um setor bancário numa situação desesperada e impostos que se não crescerem pelo menos se manterão a níveis que tornam impraticável uma recuperação robusta, só uma enorme incompetência fará que o PS perca as eleições ou que as ganhe por poucochinho. E, por favor, não me venham com a história da carochinha que os portugueses incorporaram o discurso da inevitabilidade dos sacrifícios, ou que foram convencidos de que viviam acima das suas possibilidades, ou que a culpa foi da troika. Fazer esse discurso é como chamar estúpidos aos portugueses. Nada disso. Ninguém consegue convencer 20% das pessoas empregadas, que vivem com 505 euros por mês, de que isso é inevitável; não é possível convencer ninguém de que a saída de centenas de milhares de jovens do país era necessária; que os mais de meio milhão de pessoas que não têm sequer acesso ao subsídio de desemprego estão a sofrer por terem vivido acima das suas possibilidades. O que parece, neste momento, claro é que os portugueses não vislumbram quem pode mudar este estado de coisas. E se o PS não está a conseguir demonstrar que é alternativa, a culpa é inteiramente sua, de mais ninguém. Quem não consegue mostrar que é alternativa não é de facto alternativa.

O PS conseguiu mostrar tão pouco, fez uma campanha tão pobre, com tantas dificuldades de chegar aos cidadãos que pouco mais lhe resta do que pedir o que a coligação PAF também pede: fechem os olhos e confiem. Que mal teremos feito aos deuses?

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
27/09/15

.

Sem comentários:

Enviar um comentário