18/10/2015

EVA GASPAR

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Os golpistas

Dilma Rousseff foi reeleita em 26 de Outubro de 2014 pela margem mais curta da história da democracia brasileira. Duas semanas depois, dois indicadores que deveriam ter saído antes das eleições revelavam que a miséria no país crescera pela primeira vez em dez anos, e que, em vez de excedente, o Brasil acumulava o maior défice orçamental primário desde 1997. 

Um ano depois, o Tribunal de Contas do Brasil acaba de recomendar por unanimidade ao Congresso que chumbe a execução do orçamento de 2014. É a primeira vez, desde 1937, que a prestação de contas de um governo federal é rejeitada pela entidade fiscalizadora. As irregularidades totalizarão o equivalente a 24 mil milhões de euros e incluem manobras para ocultar dívida assumida pelo Estado usando dinheiro de bancos públicos, entre os quais o BNDES e a Caixa Económica.

Um ano depois, o Brasil está mergulhado na maior recessão de que há memória, o desemprego passou de 5% para 8%, a inflação de 6% para 9%, o défice externo atingiu o recorde de 4,2% do PIB, a Standard & Poor's mandou o "rating" do país para "lixo" como era até 2008, e a Fitch ficou lá perto depois de estimar nesta semana que o défice orçamental deste ano derrapará para 9% do PIB.

Depois de criticar os austeritários da oposição, Dilma deu-se conta de que "não queremos ser a Grécia" e anunciou cortes de seis mil milhões de euros e mais impostos, que permanecem congelados num congresso presidido e repleto de corruptos que, com a operação Lava Jato e o fim do "propinaducto", ficou com menos boa-vontade para acatar os pedidos do governo.

Pelo meio, o Supremo Tribunal Federal encaminhou para o juiz Sérgio Moro, que está a conduzir as investigações da operação Lava Jato centrada no desvio de verbas da Petrobras, documentos que apontam para suspeitas de arrecadação ilegal de receitas nas campanhas presidenciais que conduziram à reeleição de Lula da Silva em 2006 e de Dilma Rousseff em 2010. A mais recente trapalhada envolve uma empregada doméstica que aparece como dona de uma empresa que recebeu 200 mil euros por serviços prestados para a campanha da Dilma de 2014 e que diz nunca ter recebido esse dinheiro. Dinheiro que teria vindo da Petrobras – hoje a empresa mais endividada do mundo.

Pelo meio ainda, foi detido e condenado a 15 anos de prisão João Vaccari Neto, até então tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT). O anterior tesoureiro do partido de Lula e Dilma, Delúbio Soares, permanece preso por envolvimento no caso do Mensalão. Deslindado em 2010, também esse processo girou em torno do desvio de verbas de empresas públicas para financiar políticos e partidos.

Hélio Bicudo, antigo vice-prefeito de São Paulo e fundador do PT – partido do qual se afastou há dez anos – apresentou entretanto o já 17º pedido de "impeachment" de Dilma na Câmara dos Deputados.  O jurista de 93 anos sustenta-o com base nos indícios recolhidos pela investigação da justiça, na violação da lei orçamental em 2014 e na compra da refinaria norte-americana de Passadena – operação que se revelou ruinosa para a Petrobras e que foi decidida à época em que a petrolífera estatal era dirigida pela hoje presidente.

Dilma II diz que não pode ser alvo de "impeachmemnt" pelo que fez em Dilma I, e a Constituição até parece dar-lhe razão, a não ser por eventuais "crimes comuns" cometidos durante a sua gestão da Petrobras.

Mas o processo de "impeachment" é, por natureza, essencialmente político, e quando o presidente perde as condições para permanecer no cargo um pequeno deslize basta para a queda - um Fiat Elba pago pelo tesoureiro da sua campanha foi o que bastou para forçar a renúncia de Fernando Collor em 1992 e evitar o trauma maior de uma destituição.

Dilma estará a prazo, mas não acaba nela mesma. Ela é parte de um projecto mais ambicioso, cujo verdadeiro protagonista é Lula da Silva, "lobista das grandes empreiteiras, milionário – ele e os seus filhos - coordenador de tudo o que está aí", nas palavras sem meias-tintas de Fernando Gabeira.

É Lula que está neste preciso momento em Brasília a tentar livrar das malhas da Comissão de Ética da Câmara dos Deputados o presidente do Congresso Eduardo Cunha - membro do PMDB, partido aliado do PT no governo, que a Lava Jato descobriu ter contas ocultas na Suíça – a troco de este (que está zangado com o governo) não dar andamento aos pedidos de "impeachment" contra Dilma. Fá-lo porque precisa, mais do que nunca, de descredibilizar a investigação que acaba de atingir o seu filho Fábio Luis (o Lulinha) que, segundo um dos delatores (Fernando "Baiano") tinha despesas pessoais pagas com dinheiro desviado da Petrobras.

A delação contra o filho de Lula torna ainda mais provável a hipótese de as investigações esbarrarem no próprio e na sua bizarra Fundação. Pode não estar longe o momento em que o juiz Sérgio Moro se verá diante de duas únicas possibilidades: libertar toda a gente (quase uma centena de políticos e empresários) ou mandar prender Lula, que já avisou que, se for o caso, convoca o "exército do Stédile", numa referência ao líder do Movimento dos Sem-Terra, João Pedro Stédile, para travar os "golpistas".

É esta a narrativa que impera no Brasil, um país partido por um partido: de um lado os petistas, do outro os "golpistas". "Eu tenho a legitimidade das urnas, que me protege e a qual eu tenho o dever de proteger", voltou a dizer nesta semana a presidente, que insiste em transformar o voto do povo num salvo-conduto para a impunidade.

Quem duvida do acerto da opção de Portugal pela integração europeia ponha hoje os olhos no Brasil. Por cá tivemos muito bruaá, mas as instituições portuguesas não abanaram com a detenção de um ex-primeiro-ministro, e devemo-lo provavelmente também à cultura democrática que temos importado da Europa. Já o Brasil, sendo uma democracia apenas dez anos mais jovem do que a portuguesa, corre o risco de se partir. "Diz-me com quem andas dir-te-ei quem és" e o Brasil tem hoje como parceiros preferenciais a Venezuela de Maduro que manda prender o principal oposicionista, a Argentina de Cristina onde é assassinado o procurador que investigava a presidente e a Cuba dos irmãos Castro que dispensam apresentações.

Quem olha para o euro como um espartilho da economia portuguesa ponha mais uma vez os olhos no Brasil. Um conjunto de regras que limita o poder discricionário dos políticos e cujo cumprimento é observado por entidades externas é uma protecção para contribuintes e para quem recebe prestações sociais e salários do Estado. E se uma moeda fraca pode favorecer as exportações, não se perca de vista que, na maior parte das vezes, ela é mera consequência de uma economia e de uma gestão política medíocres.

E você, que diz que gosta de Estado ao mesmo tempo que diz desprezar os políticos que o gerem e que vê na ausência de controlo público da banca e de sectores estratégicos um obstáculo a uma sociedade mais próspera e justa, ponha também os olhos no Brasil. Lá, na outrora 5ª maior economia do mundo, plantada ao lado de um mar de petróleo, após 12 anos de "Lulismo" ainda não há saúde pública digna desse nome, nem infra-estruturas em domínios fundamentais e não faltam empresas controladas pelo Estado, à mão de semear para serem saqueadas pelos "agentes políticos" de serviço. "O que é desviado hoje no Brasil é algo como 200 mil milhões de reais [45 mil milhões de euros]. Um valor tão alto que não dá para imaginar o que se faria com esse dinheiro", diz o procurador da República Deltan Dallagnol que coordena o núcleo da Lava Jato.

E você, António Costa, que está disponível para governar com o PCP e o BE, vá em frente mas diga-nos que país quer fazer de Portugal nos próximos quatro anos. Visto daqui, não consigo fazer ideia.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
16/10/15

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