08/09/2015

RITA BRITES

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Cisnes cinzentos

Um cisne negro consiste naquele fenómeno que raramente acontece e que, (por isso), dificilmente se consegue prever. Trata-se de um acontecimento que se situa nos extremos da distribuição padrão que, curiosamente, apenas em raras exceções é um modelo fidedigno da realidade.
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A conotação de cisne negro remonta aos tempos em que se julgava que todos os cisnes eram brancos e a sua importância advém do impacto na sociedade de conclusões precipitadas sobre o desconhecido. Esta questão assume outra preponderância para economistas, analistas financeiros, entre outros, cujas previsões são baseadas em não tão extrapoláveis modelos estatísticos. A questão em que me quero focar, no entanto, são os cisnes cinzentos.

O meu primeiro cisne diz diretamente respeito à volatilidade característica do sistema financeiro mundial. Recentemente, à abertura da sessão de trading do S&P 500, e muito devido à atual crise na China, o índice desceu para mínimos de 2008 enquanto minutos depois já recuperava sensivelmente. De facto, os mercados financeiros são uma espécie de organização irracional: sofrem infinitas oscilações em proporções variadas, mas, ocasionalmente, quer seja por um dia ou por meses a fio, ficam fixos num equilíbrio inexplicável, num consenso infundado.

Ora, o S&P 500 encontra-se à data em níveis expressivamente superiores aos máximos que antecederam a crise de 2008 sem que haja alguma razão fundamental para que tal aconteça. Não se registaram avanços tecnológicos ou melhorias de produtividade significativas que pudessem estar na origem de tal crescimento. Na verdade, o que se passa nos Estados Unidos é, arrisco-me a dizer, em grande parte fruto da política monetária que o governo americano tem levado a cabo desde 2008. Refiro-me ao tão abordado alívio quantitativo que tem vindo a injetar milhares de milhões na economia americana e assim fomentando o consumo da sua população.

Tal como nos Estados Unidos, também na China se têm vindo a verificar contínuos cortes nas taxas de juro e, mais uma vez, a injeção de liquidez. Pois bem, no espaço de um ano, o seu índice representativo mais do que duplicou; este verão no entanto as quedas têm sido sistemáticas. Num mundo global, já não será tão óbvio que os Estados Unidos subam as taxas de juro ainda este ano ou que a recuperação económica na Europa seja mais notória ou que de uma vez nos despeçamos globalmente da crise a que estamos apegados há já sete longos anos.

Já num outro registo, as mais recentes vagas migratórias de pessoas vindas do Médio Oriente e do Norte de África têm aterrorizado os líderes europeus que agora se entreolham impotentemente à procura de soluções que não chegam para um problema que não antecipavam. Cisne negro? A política externa levada a cabo pelos países desenvolvidos para esta região preocupou-se apenas em defender ideais ocidentais sem que nenhum esforço tenha sido feito para desenvolver estas economias. Com guerras, problemas económicos, medo e sem esperança, estas pessoas iriam procurar algo melhor, tal como todos já o fizemos.

Lamento. Não era assim tão difícil de prever que os níveis americano e chinês não eram sustentáveis e que teriam, e têm, de se reajustar. Não podíamos achar que os agora migrantes iriam assistir impávidos ao seu infortúnio. E não, não podemos assumir que as recentes melhorias da economia portuguesa se deveram necessariamente ao esforço dos últimos anos (note-se, alívio quantitativo!).

Estes eventos não eram cisnes negros, eram bem mais claros, eram cinzentos! Por mais que profissionais das diferentes áreas não os tenham conseguido prever, se tivéssemos observado o que tinha vindo a acontecer e tomado uma posição diferente quanto a isso, talvez estas questões não se teriam perpetuado ou até efectivado. Como tal, por vezes temos de dar um passo atrás e ver o que está à frente dos nossos olhos. Deixar a nossa teimosa inocência e assumir de vez que há cisnes que não são francamente imprevisíveis.

Membro do Nova Investment Club

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
06/09/15 


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