30/09/2015

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HOJE NO
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Condutor com taxa de álcool de 1,74 g/l
. absolvido por causa de alcoolímetro

Mas o alívio de J., reincidente no crime, durou pouco. Nove meses depois da absolvição, a Relação de Évora considerou que, afinal, era culpado. E tudo por causa da letra “P”.

J. até já tinha antecedentes. Em Junho de 2005 foi condenado por conduzir bêbedo e por condução perigosa. Pagou 1300 euros e ficou proibido de pegar no carro durante 13 meses. O castigo serviu de pouco e, em 2011, voltou a ser apanhado alcoolizado ao volante. Pagou 400 euros de multa e esteve quatro meses sem conduzir. Ainda assim, em Dezembro de 2014, voltou a reincidir no crime: pouco antes da meia-noite, foi mandado parar pela GNR na zona de Loulé. Soprou no balão e acusou uma taxa de álcool superior à crime: 1,74 g/l.
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J. ainda tentou argumentar que não tinha causado nenhum acidente e que mal tinha tocado no carro. Contou como tinha estado realmente a beber, “no local de trabalho”, e que ia para casa a pé. Mas um amigo “que não tinha carta de condução” pediu-lhe que conduzisse. E, feitas as contas, só andara 150 metros até dar de caras com a patrulha da GNR. 

 Com desculpas ou sem elas, certo é que J. acusou um valor superior à taxa-crime (fixada na lei em 1,20 g/l) e teve de ir responder a tribunal. E, apesar dos antecedentes e de ter ficado provado que circulava embriagado – o alcoolímetro acusou 1,74 g/l e, descontando a margem de erro máxima admissível, estaria com uma taxa de, pelo menos, 1,65 g/l no momento em que foi apanhado –, acabou absolvido pelo Tribunal de Faro. Na base da insólita decisão esteve uma longa discussão técnica e jurídica em torno do modelo e da marca do alcoolímetro utilizado pela GNR. E a culpa foi de uma letrinha apenas: bastou um “P” para que J. se tenha conseguido safar. 
A defesa do condutor conseguiu convencer o tribunal de que o balão usado pelos militares era da marca Drager Alcoteste 7110 MK III-P – cuja validade já teria expirado –, em vez de ter sido usado um Drager Alcoteste 7110 MK III.

Ministério Público recorre 
J., que acumulava um part-time como empregado de mesa com biscates numa oficina de carros, acabou assim absolvido, em Janeiro deste ano, da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez – punido no Código Penal com uma pena de prisão até um ano ou com uma multa até 120 dias.

Mas o Ministério Público de Faro não concordou com a decisão do juiz e resolveu recorrer da sentença para o Tribunal da Relação, invocando que, na realidade, o alcoolímetro usado pelos militares da GNR na noite de 5 de Dezembro de 2014 estava homologado e dentro do prazo de validade. O que se seguiu foi uma discussão técnica e jurídica levada ao detalhe. Se o Tribunal de Faro tivesse razão, e efectivamente o modelo usado pela GNR já estivesse expirado ou não estivesse homologado, mesmo que J. estivesse bêbedo, teria de ser absolvido – uma vez que o aparelho usado para fazer prova não estava conforme.

Já o Ministério Público tentou provar que o alcoolímetro estava conforme – sendo, por isso, inevitável a condenação do condutor. O caricato da história é que, no meio da discussão jurídica, J. confessou, desde o primeiro momento, que conduzia alcoolizado.

Os argumentos 
 A confissão de pouco serviu. O Tribunal de Faro considerou que o facto de J. ter admitido o crime não era “prova suficiente” para que houvesse condenação, uma vez que, como o alcoolímetro não estava em condições, não era possível determinar, com exactidão, a taxa de álcool com que conduzia. 

Mas qual era, afinal, o problema do aparelho? Os alcoolímetros usados pelas polícias têm de ser aprovados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) e, antes disso, precisam de ser homologados pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ). Existe, por outro lado, um Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (RCMA) que define os modelos que devem ser adoptados no terreno e o respectivo prazo de validade – fixado, normalmente, em dez anos após a aprovação e publicação em Diário da República dos modelos dos alcoolímetros.

Acontece que a aprovação do modelo utilizado pela GNR naquela noite – o Drager Alcoteste 7110 MK III-P – teria sido, segundo o Tribunal de Faro, publicada a 25 de Setembro de 1996, tendo caducado em 2006. Por estar fora da validade dos dez anos, a taxa de álcool que J. acusou não poderia ser admitida como prova em tribunal.

Mas o Ministério Público fez uma leitura diferente da legislação e explicou aos juízes do Tribunal da Relação de Évora que, na realidade, existem dois modelos diferentes de alcoolímetro: o Drager Alcoteste 7110 MK III e o Drager Alcoteste 7110 MK III-P. O primeiro foi homologado pelo IPQ em 1996 e o segundo em 1998. Só que, enquanto o primeiro foi depois aprovado para uso pela Direcção-Geral de Viação (entretanto extinta e substituída pela ANSR) em Agosto de 1998, o segundo nunca o foi. Só mais tarde, já com a ANSR em funcionamento, é que foi retomado o processo de implementação do Drager Alcoteste 7110 MK III-P. O IPQ voltou a homologar o modelo, em Junho de 2007, e a ANSR aprovou-o por despacho em Junho de 2009, tendo sido publicado em Diário da República em Agosto do mesmo ano. Assim, argumentou o Ministério Público de Faro, o alcoolímetro estava dentro do prazo na noite em que J. foi apanhado pela GNR e a validade do modelo só caducará em Agosto de 2019.

Vai ser condenado 
 Os juízes da Relação de Évora concordaram com o recurso do Ministério Público de Faro e, recentemente, pronunciaram-se sobre o caso. Concluíram que na data em que J. conduzia alcoolizado e foi fiscalizado pelos militares, “o aparelho cumpria os requisitos para fazer prova”. Por isso, J. terá de ser condenado por conduzir sob o efeito de álcool. Que pena apanhará? A decisão terá de ser agora tomada pelo Tribunal de Faro – o mesmo que, inicialmente, absolveu o condutor embriagado – porque os juízes de Évora ordenaram que seja o tribunal de primeira instância a estipular “a adequada pena pelo crime”. 

* A justiça nunca é uma linha recta, ainda bem.


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