30/09/2015

.

  COMO NOS


  "EMOCIONAMOS"!


2- O BALNEÁRIO



Grande Reportagem SIC 

Distinguida com o 1º Prémio no Festival Internacional de televisão de Montecarlo, 1º Prémio AMI - Jornalismo contra a indiferença e menção honrosa no prémio de jornalismo da Associação Nacional de Municípios Portugueses.

O que dizem de uma cidade os seus balneários públicos?
Que histórias se cruzam sob os duches gratuitos da capital?

A primeira vez que tomou banho no balneário público de Alcântara, Guilhermina Rodrigues era menina. Oito anos. Menina de ser levada ao balneário pela mão dos pais, ainda que já trabalhasse "na venda", ofício que manteve até à idade da reforma.
Mais tarde Guilhermina levou os filhos, depois os netos. Guilhermina Rodrigues, lisboeta de Alcântara, nunca teve casa de banho. Como tantos dos que frequentam o balneário de Alcântara
Desde que ficou viúva, Guilhermina não vai ao balneário público apenas pelo duche quente. A companhia de Rosa e dos outros ajuda a encher-lhe os dias, que terminam cedo, à janela, "a ver passar os eléctricos e os da ponte".

Como tantos dos que frequentam o balneário de Alcântara, Aníbal José da Costa Jorge vive na rua.
Andou embarcado 25 anos, há mais de dez que é um barco à deriva.
Como muitos dos que aquecem o corpo envelhecido e pouco mimado sob os chuveiros públicos da capital, Amélia Oliveira vive sozinha. Os olhos doces de Amélia passeiam pelo balneário todos as manhãs da semana. A câmara deu-lhe uma casa em 2005. Tinha então 85 anos e, pela primeira vez, uma casa de banho. Mas a banheira "é um luxo" de que Amélia já não consegue desfrutar sem ajuda. No balneário, onde vai todos os dias "para distrair" e à sexta-feira para tomar banho, tem as promessas de casamento de Vítor e a ajuda de Rosa. "Só para lavar as costas, ainda me lavo sozinha!".

Que velhice esperará Paulo Silva, que tem 33 anos e arruma carros em Lisboa?
Nos últimos anos, lamenta Vítor Cruz, "tem piorado. Isto nos último dois anos tem piorado e muito, e muito." Vítor é o vigilante. É ele quem vai ao posto marcar consultas, quem preenche o IRS e quem lê as cartas às viúvas, porque "99 por cento das velhotas que aqui vêm não sabem ler". É também ele quem lhes telefona aos filhos, emigrados em França, quando elas não ouvem. Não têm mais ninguém a quem se queixar da solidão. (Entre os que não têm casa de banho, os que vivem na rua, e os que envelheceram sozinhos, aqui se constrói uma certa rede familiar, com as respectivas avenças e desavenças.)

Só na freguesia de Alcântara há pelo menos 400 casas sem casa de banho. "Nunca esperei", diz José Godinho, presidente da Junta. José Godinho conheceu o balneário em tempos de miséria maior. "Vi coisas que nunca pensei que existissem em Portugal. Pessoas a viver em cavernas autênticas e muita gente sem casa de banho. Nunca esperei. Ainda há dias disse a um amigo que tínhamos feito uma casa de banho a uma senhora de 86 anos, que toda a vida se lavou num alguidar. E ninguém acredita".

O balneário de Alcântara é o único gratuito e o mais frequentado dos 22 balneários públicos de Lisboa. Recebe mais de 500 pessoas por semana.

Miriam Alves
Jornalista

Reportagem: Miriam Alves e Filipe Ferreira (Imagem)
Edição de Imagem: Ricardo Tenreiro
Pós-produção Áudio: Pedro Miguel Carvalho
Grafismo: Patrícia Reis
Produção: Isabel Mendonça e João Nuno Assunção
Coordenação: Daniel Cruzeiro
Direcção: Alcides Vieira

* Uma emocionante reportagem de 2008.

.
.

Sem comentários:

Enviar um comentário