30/08/2015

MIGUEL GUEDES

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O triunfo dos Trump

Donald Trump não será presidente dos EUA nem ganhará, em Fevereiro de 2016, a corrida para a nomeação republicana às eleições presidenciais. A 405.ª pessoa mais rica do Mundo (para a "Forbes") sabe-o bem e, como tal, diverte-se. Contesta o ranking, julga-se nos 250 primeiros. Trump é demasiado impreparado, grosseiro e conflituoso para ser eleito (não, Ronald Reagan não era grosseiro). É demasiado estúpido, como ele próprio gosta de chamar aos outros. Mas sabe o que faz e diz mesmo quando o que faz e diz não lembra ao mais rude dos racistas ou sexistas empedernidos. Trump não tem uma ideia. E por isso fala. Fala sobre tudo sem uma ideia, discursa sem rede, repleto de frases feitas e gloriosas insinuações. Como referia Samuel Popkin, cientista político da Universidade da Califórnia, ao "The New Yorker": "Quanto mais complicado é o problema, mais simples se tornam as respostas".

Neste contexto de fronteira, a simplicidade confunde-se com o vazio e o que era uma piada há uns meses transforma-se numa realidade curta e grossa. Trump lidera as sondagens para a nomeação no Partido Republicano apesar de ter declarado que até poderá concorrer como independente caso não consiga a nomeação. É que para Donald só existe Trump. E um país ao seu serviço, para desespero dos republicanos conscientes de que, com ele na corrida para presidente, Hillary Clinton lavará, como mulher, a eleição tão alva e tão limpa quanto Trump desejaria que domesticamente lavasse a roupa do Bill.

Trump detestaria dar uma boa luta a uma mulher e depois sair a perder. E por isso, se estiver perto de ganhar a corrida no partido, aposto que desiste antes que seja tarde. A responsabilidade de estender a passadeira vermelha a uma sucessão de mandatos democratas na Casa Branca (seria o terceiro com Hillary, algo que só aconteceu duas vezes na história dos EUA, uma no século XIX e outra com Roosevelt a pretexto do pós-guerra) é demasiado pesada para o homem que quer construir um muro entre o México e os EUA de forma a acabar de vez com a entrada de pessoas que "trazem droga, crimes e violadores", como vociferava no seu discurso de apresentação de candidatura. Não que os seus debates, entrevistas ou declarações avulsas sejam mais cândidos, atentando nas mais recentes polémicas com a jornalista Megan Kelly ou com a "ex-nota 10" a Heidi Klum. Mulheres e migrantes, "coisas" que o candidato trata com boçal excesso de zelo. Com a mesma facilidade com que derroga verbalmente a 14.ª Emenda da Constituição, ratificada há 147 anos, que assegura a cidadania a "todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos". Respostas simples para Trump.

Apesar das sondagens apontarem para um patamar de quase 25% de apoio no sector republicano (com mais dez pontos percentuais do que Jeb Bush, por exemplo) e garantirem que estaria a 6% de Hillary Clinton se fossem eles os candidatos, Trump sabe que o partido republicano nunca permitiria que ganhasse a nomeação. Apesar de ter o "Tea Party" na mão e os denominados "nacionalistas brancos" conquistados, chegaria a hora do escrutínio privado que ninguém (nem democratas, nem republicanos) tem interesse em fazer no momento actual. Trump não calaria o passado mesmo que deixasse de abrir a boca (o que é, desde logo, uma impossibilidade). Porque é uma caricatura a traço grosso, tem ainda menos hipóteses do que Sarah Palin alguma vez teve. Seria o maior catalisar do voto hispânico de que há memória. Seria ainda pior do que o esforçado Mitt Romney na campanha perdedora com Obama em 2012. Uma afronta, mesmo para os republicanos.

No romance de George Orwell, "O triunfo dos porcos", os animais levam mesmo a melhor até que deixam de se distinguir dos homens após o porco Napoleão ter decretado que "todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais do que outros". Ao triunfo de Trump e de tantos demagogos que aparecem (olá Europa...), cola-se uma outra frase do livro, menos célebre mas directa ao candidato: "o homem não serve os interesses de nenhuma criatura excepto ele próprio". E o homem diverte-se. "Que tempos são estes em que temos que defender o óbvio?", perguntava Brecht. As coisas complexas juntam-se às respostas simples ou simplistas. Há dias, deparava-me com uma publicação no Facebook de Harry Dean Stanton onde, no pedestal dos seus 89 anos, partilhava um vídeo de campanha de Donald Trump sob o lema "Make America great again!". A desilusão era repartida por muitos dos comentários, "you can do better than this, Harry...". No dia seguinte, tropecei no cabeçalho e reparei que era uma página de homenagem criada por fans. Suspiro de alívio pelo óbvio.


IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
25/08/15

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