31/08/2015

GABRIELA CANAVILHAS

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A arte da fuga, no Pontal

Pensando no período eleitoral que se vive, “fuga para a frente”, em política, significa avançar, intrepidamente, com o cabelo nos olhos, e rezar para que corra bem!

"Arte da Fuga", de Johann Sebastian Bach (1685-1750), é uma obra a todos o títulos verdadeiramente extraordinária e inultrapassável enquanto síntese de um tempo - o pós-Idade Média estendido até ao final do Barroco -, e símbolo de uma cultura - a cultura europeia que floresceu por entre a exuberância do catolicismo do sul e a ascese protestante do norte.

Esta obra grandiosa do património musical da Humanidade é constituída por um conjunto de catorze fugas e quatro cânones (formas musicais relativamente complexas), mas tem a particularidade de todos os temas, de cada fuga e cânone, serem baseados num único tema de grande simplicidade, mas extremamente adaptável e flexível, que permite demonstrar exemplarmente o quanto se pode fazer a partir da quase insignificância, desde que se use a imaginação e a sabedoria.

Na "Arte da Fuga" de Bach, o importante não é o tema, mas sim a forma como ele é apresentado, metamorfoseado e sublimado. Da simplicidade da mensagem, rumo à construção magnífica do seu suporte, Bach transcende-se na condição de mortal.

Fuga, expressão que designa a velha forma musical baseada na "imitação" de excertos de melodias, transformados e complicados quase até à total abstração, em português é também sinónimo de fugida/escapatória/evasão. Pensando no período eleitoral que se vive, "fuga para a frente", em política, significa avançar, intrepidamente, com o cabelo nos olhos, e rezar para que corra bem! Irresponsavelmente, lembra-me a promessa de Passos Coelho no Pontal de que irá tornar Portugal numa das dez economias mais competitivas do mundo. Lembra-me o anúncio da coligação de que irá recuperar na próxima legislatura o mesmo Estado social que tentou derrubar na presente legislatura, depois de quatro anos a desmantelar sistematicamente o edifício social do Estado, exercício que está a levar persistentemente até aos últimos dias da governação - veja-se a recente transferência de mais 60 milhões de euros para o ensino privado, deixando a escola pública à míngua.

Por outro lado, a arte de passar uma mensagem de grande simplismo (a alegada "bancarrota" socialista e o alegado país do sucesso da ‘troika'), embrulhado em grande aparato, aparenta-se, mesmo que muito longinquamente, com arte de compor em estilo fuga e contraponto a partir de um pequeno tema: a descida do desemprego festejada pela coligação esquece os 218 mil empregos a menos em Portugal desde 2011 (dados do INE); o atual acesso aos mercados para financiamento de Portugal (sem o qual entraria na mesma "bancarrota" de 2011) é, afinal, garantido pelo BCE, independentemente do ‘rating' português (que continua no lixo); 20,4% dos portugueses, auferem hoje salário mínimo - um aumento de 70% face a 2011; ¼ dos portugueses encontram-se em risco de pobreza; o PIB caiu 7% desde 2011; o crescimento da economia portuguesa em 2015 é metade da de Espanha e igual à da falida Grécia (com inacreditáveis aplausos da maioria, inebriada).

Afinal, não é a "Arte da Fuga", mas uma fuga sem arte nem génio.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
26/08/15

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