25/08/2015

FERNANDA CÂNCIO

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Cabeça de cartaz

Sim, o grande tema destas legislativas são os cartazes. É compreensível; discutir se são bonitos ou feios, se modelos são portugueses ou estrangeiros, se os partidos pagaram pelas imagens e se as pessoas que neles figuram têm alguma coisa a ver com as mensagens, é muito mais giro e dá bué menos trabalho que ler programas, compará-los com os anteriores e como estes foram (in)cumpridos, ver se têm contas (não é suposto as contas serem o mais importante?) e se estas batem certo, etc. 

O interesse pelo que está antes, durante e depois dos cartazes é aliás tão raro que foi possível ao diretor da campanha do PS Ascenso Simões acabar demitido por causa de outdoors sem que alguém parecesse reparar que defende publicamente ideias que contradizem não só o património histórico como o programa atual do partido do qual é (ainda) cabeça de lista em Vila Real. E, no entanto, fez disso alarde num artigo no Sol, em Junho, intitulado "Pelo fim dos contratos de trabalho." Onde se lê que Mário Centeno, principal autor do cenário macroeconómico do PS, é "ainda muito recuado". E que "as leis do trabalho só são motivo de conversa entre associações de patrões, sindicatos funcionalizados, especialistas marxistas do Direito do trabalho e amanuenses da concertação social." Porque "o contrato de trabalho cristaliza a dicotomia tradicional da luta de classes. Mas, se olharmos para a vida de hoje, essa luta de classes é cada vez mais um passado distante." 

Sem dúvida. Nem se passou 2014 a debater O Capital no Século XXI, obra na qual o francês Thomas Piketty defende rumar-se uma situação de desigualdade social comparável è espelhada nas obras de Hugo e Dickens, com imensa riqueza nas mãos de meia dúzia e restante socieadade na miséria. Nem estamos a observar, em Portugal (e não só), com a pressão de um brutal desemprego, tal diminuição salarial que o PS propõe atribuir um subsídio aos trabalhadores que auferem menos de 411 euros. Não, a situação está de tal modo equilibrada que Ascenso quer "que se avance para a consagração do contrato livre, com regras de protecção bilateral da relação entre as partes." 

Entendamo-nos: Ascenso, grande apologista da "ordem natural das coisas", na qual inclui a emigração ("A minha filha adolescente sabe que o mundo dela é o mundo em que se transita de acordo com interesses dos promotores"), tem direito a pensar e dizer o que entender (e a formar um Tea Party luso em consonância). Mas vê-lo, mês e meio após o citado artigo, declarar ao Observador que "a maioria fala muito em bancarrota mas a atual é pior porque é uma bancarrota social, com o desemprego, a emigração, a incapacidade de fixar os jovens no nosso país" deixa qualquer um confuso. Afinal, que pensa Ascenso? A cara dele dá com que frases? Ou será que, como aos trabalhadores da Junta de Arroios retratados nos malfadados cartazes, não houve ninguém no PS para lhe explicar o básico, ou seja, que não é só posar para a foto?

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
21/08/15

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