06/08/2015

EDUARDO CINTRA TORRES

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BMW i8

O automóvel BMW i8 tem um preço tão elevado que a presença da sua publicidade no horário nobre dos canais generalistas surpreende. Atirando números ao ar sem grande margem de erro, em cada milhão que assiste o anúncio só uma ínfima minoria o poderia comprar ou teria vida para isso.
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A campanha nos media generalistas, não só na televisão, como em páginas inteiras nos jornais foi ponderada. Os publicitários e o cliente sabem tão bem como nós que estes anúncios não se traduzem em grandes vendas directas do i8. Também a Mercedes já regressara aos canais generalistas. Tendo em conta os preços de saldo da publicidade na TV, a aposta nos media de massas não éum desperdício. Desde logo, porque chega ao público-alvo. Por exemplo, o intervalo do Jornal da Noite da SIC, na segunda-feira, que abriu com o anúncio do BMW i8, teve uma audiência média de 927 mil, dos quais 4.000 do grupo sócio-demográfico com maior poder de compra.

Dado que a marca chega ao mesmo público por outros meios (canais de notícias, Expresso, jornais económicos), a distribuição dos seus anúncios pelos media visa fortalecer a imagem da marca e, assim, induzir o interesse e a compra por outros modelos da BMW, por efeito de transferência ou substituição, àconta do prestígio e dos prémios do modelo i8.

O anúncio televisivo sugere essa transferência. Ele está fragmentado em duas narrativas intercaladas, uma oral, outra visual, que formam uma só. Uma é o discurso proto-religioso típico de muita publicidade. Um actor, com ar de quem saiu dum ensaio na Royal Shakespeare Company, faz um sermão sobre o impossível que se torna possível, como os milagres. "Eu sou o impossível", diz ele, logo no primeiro grande plano da sua cara que abre o anúncio. Fala em inglês, com legendas. Olha para o observador a uma distância ainda menor do que as estrelas da telenovela: "Sou a ideia demasiado arrojada para ser acorrentada. Demasiado poderosa para ser domada." Entra em cena a sombra do i8 ao longo de uma estrada. Ainda não chegou o momento de vermos o milagre. Voltamos ao actor. "Eu sou o Big Bang", diz ele, e o plano seguinte mostra um plano de pormenor de um olho, que mais parece o Big Brother do que o Big Bang. O sermão continua: "Eu sou a ideia que tem de nascer."A frase seguinte —"[Eu sou] a revolução que temos de vencer"é, felizmente, acompanhada, já não pelo evangelista, mas pela primeira imagem do i8, ao longe, não fossem os observadores pensar que se tratava de um anúncio a algum partido revolucionário.

Dois planos do carro, um plano da estrada, e o actor regressa à narrativa, a que não falta a palavra "estória/story": "A história que está a começar."Vê-se o carro e um plano só da boca do actor dizendo: "Eu sou imparável." Eu, quem?, a personagem humana do actor? Não, ele, qual Transformer, é o próprio carro, a quem dá voz. Fica excitado quando diz ser "um foguetão, uma bala de canhão, um corpo de fibra de carbono mais leve do que o vento, mais forte do que uma tempestade". É um super-herói, éo Super-Homem. Mas também é o Electric Man: "Eu nasci eléctrico. Eu sou pura energia."O actor, que antropomorfiza o super-herói i8, termina o sermão dizendo: "Eu sou [o] possível. Eu sou i8."O anúncio termina com um "travelling" aéreo circular em torno do carro.

Portanto, o anúncio começa dizendo que o i8 éo impossível, mas, como a marca conseguiu o milagre de o criar, ele éo possível. Do mesmo modo, se é impossível comprar um automóvel tão caro, pode ser que seja possível comprar os modelos de gama inferior da marca. Depende do orçamento possível dos crentes no milagre.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
02/08/15

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