23/07/2015

JOÃO GONÇALVES

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Listas de deputados:
um retrato

Com um misto de ingenuidade e de frivolidade, acreditei, na minha adolescência política, que era possível mudar a forma de escolher deputados. Vinha no Manifesto Reformador: dois círculos, um nacional para satisfazer as necessidades básicas da sobrevivência partidária, e outro uninominal que permitisse aos eleitores escrutinar de perto os seus escolhidos. Porque, sendo as eleições legislativas, o Governo é uma decorrência indirecta do resultado da composição final do Parlamento. Todavia, a coisa inverteu-se completamente com a centralidade da figura do primeiro-ministro. Os candidatos a deputados passaram a ser facultativos e dependentes da vontade do chefe partidário momentâneo. Por consequência, o espectáculo deprimente a que se tem vindo a assistir com as "listas" não é original. Em geral os líderes que sucedem a antecessores derrotados nas urnas "herdam" umas criaturas que maioritariamente não lhes pertencem. Mendes, Menezes e Manuela "herdaram" de Santana; Passos, por pouco tempo, "herdou" de Manuela; Seguro "herdou" famosamente de Sócrates.

Tudo porque a magnífica "coutada" (oficialmente tem outro nome) dos chefes é que decide: quem encabeça, quem vai ali ou acolá, de comboio, avião ou de pára-quedas, quem não vai e quem vai para ornamentar. A persistente desqualificação parlamentar não conta nesta mercearia. Passos não quer na coligação ninguém que perturbe, com alguma actividade sináptica suspeita, o seu mando num putativo Governo. Obriga-os a assinar de cruz uma declaração como eunucos políticos ou não são candidatos. E Costa, que demagogicamente apelou aos seus para "dissidirem" à vontade, escolheu cabeças de lista razoáveis para servirem de tampão aos caciques que ele não pode dispensar por causa dos "compromissos" e das falsas "unidades".

Nos partidos mais pequenos esta farsa é disfarçada pela natureza deles: pequena. Não existe, porém, nada de novo nestes exercícios miseráveis. Manuel José Homem de Mello contou uma vez que, ainda novinho e convidado para integrar as listas da União Nacional, o seu "padrinho" político e fidelíssimo de Salazar, Mário de Figueiredo, o aconselhou a fazer de morto: "se queres viver, faz de morto". De lá para cá poucos têm conseguido fazer pouco mais do que isso. Como escrevia Eça em 1871, acostumam-se "a viver sem carácter e sem opinião". Ora quem não se respeita a si, "não respeita os outros". Não é uma "farpa". É um retrato.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
22/07/15


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