26/07/2015

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ESTA SEMANA NA
"VISÃO"

O INEM (e quem dele precisa) 
à beira de um ataque de nervos 

Tudo nela gritava emergência vómitos, corpo dormente, um mal-estar como nunca sentira. Precisava de ajuda. E rápido.

As colegas da escola onde Marina Teixeira, 30 anos, ensina crianças do primeiro ciclo, nos arredores de Lisboa, ligaram para o 112. E ficaram à espera do tão desejado auxílio.

Esperaram. Esperaram. Mas passado meia hora, ainda nada. Insistem. "Não há ambulâncias", terão explicado. A equipa de emergência acabaria por chegar "mais de uma hora depois".
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Apesar de se ter sentido "em sofrimento, sem saber o que fazer", Marina faz questão de elogiar os técnicos do INEM: "Pediram desculpa por terem demorado tanto. Explicaram que havia falta de meios e de pessoas, por isso não conseguiam dar vazão aos pedidos.

Percebi que estavam exaustos." Esta professora foi apenas uma das vítimas da greve às horas extraordinárias, iniciada em 24 de junho, e ainda sem fim à vista. Embora os doentes sejam os mais afetados, quem chama o socorro também sofre. Bruno Vitorino, 35 anos, passava pela Estefânia no dia 26 de junho quando, pela hora do almoço, viu um homem mais velho "com convulsões, a espumar pela boca, enquanto outra senhora gritava por ajuda ". Chamou o INEM. "Não apareceram." 

A necessidade de socorro era, garante Bruno, evidente: "Estava inconsciente. Não tinha sensibilidade. Engasgado no próprio cuspo. A mim parece-me urgente", ironiza este gestor de clientes. Mesmo assim, a ambulância só apareceria mais de meia hora depois.

No dia seguinte, a 27 de junho, foi a vez de Olímpia desesperar por socorro para o marido, de 84 anos, em Setúbal. "Quando ia a entrar em casa, desmaiou. Ligámos duas vezes. Mas só chegaram uma hora e meia mais tarde." Quem trabalha no instituto de emergência garante que estes casos se têm repetido, apesar da negação do presidente, Paulo Campos, que foi ao Parlamento alegar zero por cento de adesão à greve.

Ambiente de terror 
 Semanas depois do início do protesto, em comunicado às redações, a direção do Instituto insiste que "as condições de socorro e emergência não estão postas em causa nem em Lisboa nem no País", preferindo invocar tempos médios de acionamentos de ambulâncias "de menos de 15 minutos".

Ao secretário de Estado da Saúde, Costa Leal, a Comissão de Trabalhadores levou outras contas, quando, a 7 de julho, retomou as negociações com o Governo, interrompidas depois de decretada a greve. "Entregámos uma amostra de 40 atrasos de 20 a 30 minutos no acionamento médico, em apenas cinco dias", disse à VISÃO o representante da Comissão de Trabalhadores, Rui Gonçalves.
Mas as queixas dos mais de 700 técnicos ultrapassam em muito as questões laborais.

Por estes dias, o adjetivo mais usado para qualificar o ambiente vivido no INEM é "terror". Justificado pelo crescendo de processos disciplinares 54, segundo a própria direção, em apenas um ano, mais uma dezena de queixas contra o Instituto. Mas também explicado pela sucessão de escândalos, que, até agora, penalizou apenas médicos e técnicos.

O caso mais conhecido, em investigação pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), foi a chamada do único helicóptero de serviço em Lisboa pelo presidente do INEM para transferir uma doente do Hospital de Cascais para o Hospital de Abrantes.

Aconteceu a 25 de janeiro, mas só deu que falar meses mais tarde, quando dispararam os processos e contraprocessos.

É também aí que começam os problemas da médica escalada para esse transporte, Margarida Celeiro. Cardiologista, passou a trabalhar exclusivamente no Instituto de Emergência em setembro do ano passado, embora em regime de colaboração. Apesar de "fazer um terço da escala do helicóptero", segundo Pedro Moreira, dirigente do Sindicato dos Técnicos de Ambulância e Emergência (STAE), parece ter deixado de fazer falta.

No Instituto há quem encontre justificação para essa mudança no facto de a cardiologista se ter recusado a reunir com Paulo Campos antes de ser ouvida pelo IGAS, no âmbito da investigação sobre a transferência Cascais-Abrantes, acompanhada, pessoalmente, pelo presidente.

A mulher de 67 anos, Maria Reis, com um cancro do pulmão em fase terminal, acabaria por morrer dois dias depois, no Hospital de Abrantes. Nestas condições, "o transporte de helicóptero está completamente contraindicado ", garantiram vários especialistas.

Porquê, então, tanto empenho na transferência? A VISÃO questionou o médico que seguia a doente fora do hospital, Direndra Hasmucrai, que se recusou também a comentar o caso. Contactado pela VISÃO, o Hospital de Abrantes escusou-se a mais explicações por "decorrer um processo de averiguações interno".

Do IGAS informaram que as queixas contra Paulo Campos estão ainda "em fase de conclusão", e em segredo por serem "processos de natureza disciplinar" .

Certo é que Paulo Campos continua na direção do Instituto, enquanto Margarida Celeiro nunca mais foi chamada para trabalhar.

A direção do INEM nega o afastamento da médica e argumenta com a existência de "uma extensa bolsa de profissionais médicos que são contratados em regime de prestação de serviços, não havendo obrigatoriedade de manter horário mínimo, sendo este consoante as necessidades".

Mas fonte ligada ao INEM garantiu à VISÃO que há "buracos na escala" (horas sem médico), apesar de Margarida Celeiro ter disponibilidade para trabalhar. "Está a ser prejudicada por ter cumprido ordens.

Este sentimento de impunidade assusta-nos", admite Pedro Moreira.

Demissão exigida 
A troca de equipas numa rotunda com o doente dentro da ambulância, também em investigação, é outro dos escândalos em que Paulo Campos está envolvido. "A mulher do presidente é enfermeira e presta serviço no INEM. Fez-se um desvio para ela poder entrar a horas no outro local onde também trabalha. Em detrimento da saúde do doente", acusa Pedro Moreira.

A Comissão de Trabalhadores criticou esta decisão do presidente, que acompanhou a invulgar mudança de equipas: "Não pode existir outra paragem que não o destino da vítima. Os factos são graves e violadores das mais elementares regras do socorro de doentes." Militar do Exército, Paulo Campos, 43 anos, tem para apresentar um extenso currículo. Foi diretor do serviço de urgência do Hospital Militar do Porto e responsável por áreas como a Oncologia e a Medicina Interna. Os amigos consideram-no um profissional exemplar: "A competência é reconhecida por todos os que trabalham com ele", garante Luís Faria, major e farmacêutico do Hospital Militar do Porto, onde conheceu o atual presidente do INEM.

Empenhado em tornar mais eficientes os serviços, Paulo Campos estará pouco habituado a ser contestado. "Quando se tenta alterar procedimentos, há sempre polémicas.

É difícil falar com Paulo Campos, porque ele é muito exigente", argumenta o amigo, que o conhece há mais de uma década.

Certo é que no último ano disparou o número de processos em tribunal. Do presidente contra os funcionários. Dos funcionários contra o presidente. No Tribunal Administrativo. E mesmo no provedor de Justiça. Até uma das secretárias mais antigas da instituição se viu lavada em lágrimas quando soube que teria um processo disciplinar por ter anexado o documento errado a um mail.
"Só a Comissão de Trabalhadores tem dois recursos hierárquicos no ministro, três queixas no provedor de Justiça e 4 queixas na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos". Antes não era assim, assegura Rui Gonçalves, da Comissão de Trabalhadores, para quem "o ambiente é de terror".

Nem as empresas externas escapam à fúria processual. Este ano, uma das firmas que dava formação em suporte avançado de vida viu a sua acreditação retirada por ordem do presidente do INEM. Levado o caso a tribunal, foi dada razão à empresa: "Em janeiro recebemos uma carta do INEM a dizer que nos iam processar. Ficámos impedidos de exercer a atividade sem razão.

Fomos a julgamento e o juiz mandou anular a decisão", conta João Porto, médico e sócio da empresa Stelavitae, acreditada para dar formação no INEM desde 2013.

Do planeamento à logística, passando pelos sistemas de informação, até à intervenção em situações de exceção, saiu quase uma dezena de dirigentes.

Pedro Moreira, do STAE, acusa mesmo Paulo Campos de gerir em função da imagem e não dos doentes: "Andámos um mês sem desinfetante para o chão das ambulâncias. Nuns meses são luvas, noutros máscaras. Agora faltam ligaduras. Mas houve 300 mil euros para gastar em ventiladores. É desadequado e não é prioridade quando faltam ligaduras e detergente." 

Na terça-feira, 14, os sindicatos voltaram à mesa das negociações. Com um ordenado base de 692 euros, apesar da disponibilidade total, Rui Gonçalves explica que a greve só será interrompida se forem criados "escalões remuneratórios e passarmos a ser considerados técnicos de saúde." Mas além de exigências laborais como a instituição de carreiras e de subsídio de risco, Pedro Moreira admite que o sindicato reivindica mudanças urgentes na direção: "Quem tinha de lidar diretamente com Paulo Campos, saiu. Num ano, o conselho diretivo perdeu 7 dirigentes. Reivindicamos a demissão do presidente do INEM."

* Paulo Campos um homem orgulhosamente só com a cumplicidade de Paulo Macedo. Os portugueses podem ser prejudicados.


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