22/06/2015

MARIA HELENA MAGALHÃES

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A distância

Acontece que a modéstia é um bem cada vez mais escasso e que rareia sobejamente no discurso do poder.

Ouvida na rádio, após a notícia da atribuição do Prémio Camões, Hélia Correia confessou-se “envergonhada” por entender que não tem obra bastante para tal distinção. A mesma autora que há dias recebeu o Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco. Uma simplicidade modesta em boa hora desmontada pelo reconhecimento de uma obra literária merecedora. 

Acontece que a modéstia é um bem cada vez mais escasso e que rareia sobejamente no discurso do poder. A pesporrência cega por completo a prudência. E manda esta que, quando se está perante uma situação desconhecida, logo altamente imprevisível, não se seja peremptório no que se diz. Assim não pensa quem afirma, como Cavaco Silva, que Portugal tem “uma reserva de recursos financeiros que permite aguentar o país, o financiamento do Estado e da economia, durante vários, vários meses”.

Pois! E Passos Coelho adianta que, “racionalmente, era importante para todos que se pudesse chegar a uma solução que evitasse um incumprimento grego” (?!). Pois! E que é feito do princípio de solidariedade entre os estados da União Europeia? Que a zona euro é um ídolo com pés de barro já se percebeu. Que no mesmo dia em que decorria a reunião do Eurogrupo, inconclusiva, era anunciada a publicação do relatório preliminar da Comissão de Auditoria e Verdade sobre a Dívida Grega.

Que nesse mesmo dia Tsipras era recebido em Moscovo. Que o presidente dos Estados Unidos não esconde a sua preocupação com a possível saída da Grécia. Que Pequim já deu também sinais de desconforto. Só os nossos governantes não parecem muito preocupados! Até lhes convirá que o desastre grego possa servir de exemplo. Portugal cumpriu à risca, merece elogio. E o povo que aguente: regras são para cumprir, magister dixit. Tamanha é a diferença entre a escritora e os “sábios”!

Tamanha é a distância do país real ao centro do poder. Tamanha é a lonjura da Terra Quente Transmontana, onde a vida escorre por entre olivais, cerejais e amendoais. O tempo parado na azáfama dos dias que de sol a sol ocupam as gentes. No campo aviam-se as jornas, que na aldeia só param os velhos já arrumados. Até onde a vista alcança reverdejam vinhas a par de extensões de plantio das árvores, espalhafatosas as cerejeiras a esparramar ramos de matizes vermelhos enfeitados. A pacatez das aldeias tem vindo a ser rasgada pelo turismo rural.

Há cada vez mais oferta e a procura vai adiante. É o caso da Quinta Rota d’Oliveira, algures numa aldeia perto de Carrazedo de Montenegro, vila nordestina donairosa a poucos quilómetros de Mirandela. O inesperado da decoração da casa foi agradavelmente liquefeito pela espontaneidade e simpatia dos donos do “hotel”! O hóspede é recebido como visita da casa e como tal é tratado: à mesa vêm os doces caseiros, os legumes da horta, o queijo e o vinho da terra, quando não de produção própria.

Ao serão espraiam-se as conversas, trocam-se histórias de vida, vêem-se fotografias… Mais que uma simples estada turística fica um vínculo de amizade, ficam pessoas que se deram a conhecer. Que se adentraram nos caminhos da empatia, olhos nos olhos. Risos que se soltam à porfia.

Tamanha é a distância de quem se julga dono da certeza e do país!

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20/06/15

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