03/06/2015

JOSÉ EDUARDO MARTINS

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O Úbere da modernidade

A facilidade com que nos expomos a algoritmos que não percebemos faz de nós vulneráveis, para começar, a quem quer que nos queira como alvos de comércio. Os anúncios das redes sociais já direcionados para a nossa página são um pequeno exemplo do que aí vem.
É o computador/telefone que temos no bolso. Pensava eu, até perceber que nem isso percebo. Segundo alguns especialistas, até este supercomputador do bolso de trás pode ficar desactualizado em menos de uma década e a computação ser, afinal, a alma de quase todos os objectos que nos cercam no dia a dia.

Em todo o caso, seja ou não pelo aparelho que antes servia para falar é a portabilidade da tecnologia que permite tornar acessíveis velhas necessidades de forma inovadora, mas sobretudo inventar, ao lado, um conjunto de novas necessidades e a respectiva solução, atraindo-nos cada vez mais para dentro de um qualquer ecrã táctil.

No dia 12, no Porto, a Fundação Manuel dos Santos, pondo Huxley no cartaz, promove uma conferência que pergunta se o futuro chegou cedo demais - "…vezes sem conta na História o avanço tecnológico mudou as condições sociais, e de repente as pessoas encontram-se em situações que não antecipam e fazer todo o tipo de coisas que afinal nunca quiseram fazer"… dizia o autor de "Um Admirável Mundo Novo".

Eventualmente teremos nós chegado cedo demais ao futuro, mas esta revolução não vai parar, só acelerar.

Vai trazer novos problemas e agudizar outros que nada têm de novo : a segurança na transmissão de informação e privacidade estão evidentemente à cabeça dos bens em risco. A espionagem como a conhecemos dos romances mudou de método e de personagens.

A facilidade com que nos expomos a algoritmos que não percebemos faz de nós vulneráveis, para começar, a quem quer que nos queira como alvos de comércio. Os anúncios das redes sociais já direcionados para a nossa página são um pequeno exemplo do que aí vem. Mas, atrás disso vem também a quase completa perda de privacidade de que a regulação possível devia ser uma primeiríssima necessidade política, aliás, em plena discussão na América que acaba de proibir o acesso massificado aos dados dos nossos telefones.

Até porque, em vez de evitar estes assuntos, é melhor partir da premissa que quem tem no bolso um aparelho que permite saber, bisbilhotar e comprar já não vai deixar de o fazer. Sei pouco de tecnologia, mas conheço alguma coisa dos homens. E não é preciso grande análise sociológica sobre à geração Y, ou às outras…, para perceber que desde que a comodidade seja possível o cliente aparece sempre.

Mas há que reconhecer que se há muito que pode ser regulado é da natureza da própria inovação quebrar fronteiras e fazer as outras ciências, como o Direito, acompanhá-las. E, também, que a realidade nem sempre precisa de ajuda. Enfim, seria essa normalmente a convicção de um liberal. E se eles por aí se anunciaram.

É o caso, por exemplo, desta bizarra discussão que ontem parece ter começado a privar os consumidores de utilizar uma das mais úteis ferramentas deste novo mundo digital. A possibilidade de transporte terrestre a partir do telefone através da plataforma UBER.

Se o serviço é prestado por contratados em veículos licenciados para transporte terrestre e motoristas profissionalmente habilitados, se a actividade é coberta por seguro e paga impostos, que aconteceu aqui? E se a regulamentação desta concorrência, dito de outro modo, a sua actualização ao que o mundo já permite é urgente, onde está o Governo que nos vinha educar a preferir sempre a liberdade de escolha?

As máquinas fotográficas ou as fotocopiadoras extinguiram-se por efeito da tecnologia, mas quando a possibilidade de conseguir alojamento ou transporte ameaça desalojar monopólios instalados aí, a uns quantos, parece que mesmo bom era voltar ao telefone preto, com a rodinha e o sarro, um por bairro na mercearia, e esperar que a filha da D. Rosa volte do Brasil.

Esta disputa é mesmo um bom exemplo. Por cá mudam mais os problemas que as atitudes…

Advogado

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
02/06/15

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