31/05/2015

CRISTINA CASALINHO

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O estranho caso 
do investimento

A recuperação económica emergida da Grande Recessão observa algumas caraterísticas únicas por comparação com anteriores fases de expansão do ciclo económico.

Presentemente, o padrão de retoma do investimento fornece uma âncora menos sólida para a melhoria das condições económicas a prazo.

Do lado das condições financeiras, o custo de financiamento apresenta-se reduzido de forma geral (embora nalgumas economias mais afetadas pela crise, a correção da fragmentação de mercado ainda esteja a decorrer) e o acesso ao crédito encontra-se praticamente restabelecido. As condições de acesso ao crédito deixaram de pontificar entre as principais preocupações das empresas e as avaliações dos bancos centrais ao crédito bancário revelam avanços significativos na acessibilidade em termos de quantidade e preço. Assim, a relativa falta de investimento não será justificada pelo financiamento. A este respeito, poderá ainda relevar que as empresas, designadamente na Europa, orientam-se crescentemente para formas de financiamento menos dependentes dos bancos, privilegiando, na margem, o financiamento por via de geração de fundos próprios. A rendibilidade das empresas tem melhorado, recompondo as suas posições de tesouraria e facilitando o financiamento de projetos através de lucros retidos.

As empresas, aparentemente, dispõem dos meios para prosseguir novos projetos. Não os concretizam porque: a) não consideram as rendibilidades oferecidas interessantes?; b) o investimento, sobretudo o mais inovador e potenciador de maiores incrementos de produtividade, apresenta riscos de falhanço elevados e o investimento terá de ser disseminando por um conjunto muito vasto de projetos para assegurar pelo menos um vencedor? As empresas dispõem de meios suficientes para suportar uma taxa elevada de insucessos e pulverização de projetos?; c) a tributação direta e indireta das empresas coloca um entrave à apropriação dos rendimentos potenciais gerados por investimento revolucionário?; d) a estrutura acionista da empresa vs. a sua gestão são ou não favoráveis a investimentos inovadores? Quem corre o risco vs. quem se apropria dos resultados do investimento bem-sucedido? Fica a gestão e/ou os acionistas suficiente tempo na empresa para se apropriarem dos rendimentos gerados pelo novo investimento?; d) como a Goldman Sachs sugere num estudo recente, o esforço de automação e de miniaturização implica que as mesmas tarefas possam ser concretizadas por máquinas mais pequenas, reduzindo o esforço de investimento em máquinas?; e) o investimento como resultado do empenho em investigação teórica está a sofrer com o desinvestimento público designadamente no âmbito da defesa?; f) o nível de endividamento das empresas e o serviço de dívida desaconselham a ampliação de operações?; g) as empresas não terão capacidade de se apropriar de acréscimos de economias de escala? Questões de regulação?

As perguntas acima relacionam-se sobretudo com investimento indutor de acréscimos de produtividade, estando em muitos casos associado a alterações de paradigma tecnológico ou científico. Porém, a timidez do investimento também se observa na vertente do mero aumento da capacidade produtiva instalada. Os empreendedores não estão suficientemente confiantes com as perspetivas de procura futura para ampliar as suas operações? Com efeito, no topo das suas preocupações está a evolução da procura presente e prospetiva. O andamento da procura, na atual envolvente, depende das projeções de rendimento futuro, das condições do mercado de trabalho (recorde-se que, a respeito da queda do desemprego, as taxas de participação permanecem baixas), as quais não se afiguram muito risonhas. Estas vertentes podem ser alteradas, no curto prazo, através de modificações na estrutura tributária ou na política monetária; embora os efeitos de longo prazo possam ser mais fugidios.

Progressos sustentáveis no rendimento disponível (lado da procura) decorrem de acréscimos de produtividade, caindo-se na necessidade de responder às questões do parágrafo anterior - lado da oferta. Ou noutra abordagem, as escolhas económicas dominantes terão de equacionar a criação de mais emprego em indústrias menos produtivas, como serviços sociais ou pessoais, devido à demografia e/ou ao nível de satisfação ou saciedade de bens materiais de uma sociedade, promovendo ambientes mais igualitários, com maior ênfase em indústrias mais produtivas, geradoras de menos empregos, e potenciadoras de assimetrias de rendimento, pelo menos no curto prazo. Como equilibrar o jogo entre ganhadores e perdedores destas duas opções, conciliando-as? Do justo balanceamento entre estas duas alternativas (oferecendo procura e oferta alinhadas) poderá resultar a resolução do mistério do investimento, promovendo um crescimento acelerado mais sustentável.
Economista

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
21/05/15


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