05/05/2015

CARLA HILÁRIO QUEVEDO

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A grande mentira

Ao longo de cerca de 3 horas e 40, assistimos a entrevistas de Claude Lanzmann a Benjamin Murmelstein, o único decano dos judeus que sobreviveu ao Holocausto

Nunca vi o filme “Shoah”, de Claude Lanzmann, de 1985, mas sei que um dia vou ser capaz de assistir ao registo em filme da tentativa de extermínio do povo judaico pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial. Tenho hoje esta certeza porque fui capaz de ver “O Último dos Injustos”, outro filme de Claude Lanzmann inicialmente pensado para fazer parte de “Shoah”. Mas nove horas de filme já não suportavam mais três horas de entrevistas feitas em 1975, em Roma, a um decano dos judeus de Theresienstadt, um campo de concentração situado perto de Praga. Mas como disse Lanzmann a um jornal, “não tinha o direito de guardar as imagens” só para ele. O filme foi exibido pela primeira vez em 2013.

Ao longo de cerca de 3 horas e 40, assistimos a entrevistas de Claude Lanzmann a Benjamin Murmelstein, o único decano dos judeus que sobreviveu ao Holocausto. O Judenrat, ou Conselho Judaico, era mais uma manobra administrativa dos nazis, que consistia em nomear judeus para servirem de intermediários com os nazis. O testemunho de Murmelstein esclarece que se tratava de mais uma farsa do regime odioso de Hitler. Os decanos foram executados com uma bala na nuca ou enviados para os campos de extermínio, à excepção deste último sobrevivente, um homem intrigante, muito inteligente, além de particularmente dotado para a sobrevivência.

Por esta razão – que Murmelstein atribui um pouco injustamente ao acaso, embora seja verdade que o fim da guerra o beneficiou mais a ele do que aos seus antecessores –, Murmelstein é posto de parte, tratado como traidor, colaborador dos nazis, como aliás foram considerados outros decanos. Não tenho conhecimento suficiente para afirmar que nenhum foi colaboracionista. Mas não foi por “colaborarem” que sobreviveram, o que nos esclarece sobre os únicos culpados da Solução Final: o regime nazi, Hitler e os seus capangas. A culpa atribuída aos judeus faz parte do mecanismo abjecto do negacionismo, outro produto dos nazis.

Murmelstein é erudito e ataca a ideia de Hannah Arendt de que Eichmann seria “banal”. “Eichmann era um demónio”, afirma Murmelstein e conta um esquema de corrupção elaborado numa época em que os judeus eram convencidos a emigrar, não sem antes darem tudo o que tinham ao Estado. Eichmann tinha inventado um esquema que implicava a emissão de vistos falsos e o roubo dos que pensavam que iam emigrar. Assim tinha a sua própria fonte de rendimento.

Outra mentira dos nazis foi Theresienstadt, apresentado como gueto-modelo num filme em que se mostravam crianças a brincar, pessoas a trabalhar e velhos a ler: uma farsa, resultado da “operação de embelezamento” para apresentar ao mundo e à Cruz Vermelha. Muitas das pessoas filmadas foram em seguida deportadas para Auschwitz, onde seriam mortas.

Uma das razões apresentadas por Murmelstein para ter sobrevivido foi ter combatido os nazis no seu próprio terreno: o da mentira. Para sobreviver no logro, Murmelstein contou histórias, comportando-se, nas suas palavras, como Xerazade para sobreviver. Tornou-se indispensável porque resolvia problemas e era útil. Era a esperança dos nazis para perpetuar a mentira de Theresienstadt, por isso não o mataram. Ainda bem que Lanzmann o entrevistou.

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04/05/15


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