02/05/2015

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HOJE NO
 "OBSERVADOR"

Puxar da arma, sambar ou 
andar de carrinhos de choque.
Histórias de quem faz Segurança Pessoal

Por favor, pedem, não lhes chamem guarda-costas. Estes homens fazem parte do Corpo de Segurança Pessoal da PSP e já fizeram de tudo para proteger alguém. O Observador conta-lhe como.
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A menina de dez anos queria ir ao desfile de Carnaval com uma escola de samba. Estavam previstas centenas de pessoas pelas ruas. Muitas mascaradas. Mas, uma das regras da proteção pessoal, é que os visados mantenham o mais possível a sua vida normal. Só havia uma solução: integrar também o desfile. O chefe Saraiva não hesitou. Nunca tinha sambado, mas a vida daquela criança estava dependente dele. E lá foi ele para o meio da rua desfilar, “mesmo com alguns erros de coreografia” como conta ao Observador.

Aos 52 anos este chefe da PSP tem 24 anos de histórias ao serviço do Corpo de Segurança Pessoal da PSP (CSP). O CSP está integrado na Unidade Especial de Polícia, que completa esta terça-feira sete anos enquanto Unidade, que engloba não só o CSP, mas outras subunidades como as Operações Especiais. São cinco as subunidades. Saraiva teve que dançar samba quando o serviço que lhe foi atribuído passava por fazer proteção pessoal a uma família inteira – desde o filho mais novo até ao patriarca. Eram testemunhas num processo por tráfico de droga e corriam risco de vida. Saraiva acompanhou-os mais de um ano. Não houve incidentes. Mas dançou.

O único episódio em que recorda ter que puxar de uma arma e erguê-la foi em 2003. Era ele quem seguia todos os passos de um dos magistrados de um mediático processo por abusos sexuais de menores e pedofilia. Naquele dia, ele estava num local público e viu dois homens aproximarem-se de mota. Ele não sabe explicar porquê, talvez intuição policial, mas os dois levantaram-lhe suspeitas. Reparou, depois, que a mota não trazia matrícula e que havia um volume, semelhante ao de uma arma, por baixo dos casacos de cada um. Casacos, em dia de calor.

“Peguei na arma, apontei e ordenei-lhes que se deitassem”, recorda, escolhendo minuciosamente cada uma das palavras necessárias para descrever o episódio. Chamou a PSP e, quando percebeu que os suspeitos estavam imobilizados, retirou o magistrado do local e pediu um reforço para a segurança pessoal daquele homem.

Mais tarde, a Polícia Judiciária, através da então Direção Central de Combate ao Banditismo, acabaria por informá-los que os dois homens estavam armados. As armas estavam novas e o curriculum criminal dos suspeitos também devia estar. “Não tinham experiência”. Com ou sem passado criminoso, queriam matar o magistrado incómodo ao processo. E foi Saraiva quem o salvou.

Depois daquele episódio, foi o próprio chefe da PSP que pediu que a segurança pessoal àquele homem fosse reforçada. A avaliação do risco elevou-se para o extremo máximo da escala e o seu pedido foi tido em conta. Atualmente, esta avaliação cabe ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna (neste caso uma mulher, Helena Fazenda), juntamente com informação do Sistema de Informações e Segurança (SIS) e com a própria Direção Nacional da PSP. Os elementos do CSP no terreno podem sempre solicitar um reforço.
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Também foi uma magistrada envolvida no processo das FP-25 que um dia o levou a tomar medidas mais drásticas. Ainda assim não exigiram o uso da arma de serviço. Mas foi inesperado. Numa deslocação a uma cidade de Trás-os-Montes ela decidiu, juntamente com a secretária, andar de carrinhos de choque. “Escusado será dizer que só havia homens de volta daquelas duas únicas mulheres”, lembra. Solução: ele e e os restantes elementos da Segurança Pessoal compraram fichas e foram, também eles, andar de carrinhos de choque. Criaram uma barreira de segurança em torno do carro de choque onde a magistrada e a secretária se divertiam.
Hoje o chefe Saraiva sorri quando lembra estes momentos. Mas só hoje, em que o tempo volvido atenuou a preocupação da altura.

Para esta entrevista Saraiva fardou-se. E até perdeu aquele que seria o seu dia de folga – algo já habitual numa profissão como a dele. Há um ano que está a fazer proteção policial de uma vítima, alvo de uma tentativa de homicídio com uma arma de guerra, mas é raro usar aquela indumentária. Os elementos do CSP têm que adaptar-se a cada situação. É normal associá-los a um homem de fato negro e gravata que está, habitualmente, ao lado de uma alta entidade. Mas ele pode vestir calções, se a pessoa a quem garante a segurança se lembrar de ir para a praia, ou até optar por uma roupa mais informal. Não se pretende que se destaquem durante as suas missões.

Assim o explica o também chefe Fidalgo, 35 anos. Não foi esta capacidade de se camuflar perante as situações que o atraiu no CSP, quando ainda estava no curso de acesso à PSP. Mas foi a forma como estes elementos conseguiam conduzir um carro. “Fiquei fascinado com o tipo de condução que faziam de acordo com cada situação”, conta. Mal abriu curso para aquela subunidade, que agora integra a Unidade Especial de Polícia, concorreu. Mas não foi fácil. O então agente conseguia passar nos testes físicos e psicológicos, mas quando chegava à parte da entrevista, via o acesso recusado. E era obrigado a regressar ao serviço da esquadra.

O acesso ao Corpo de Segurança Pessoal implica passar testes exigentes. Nos últimos quatro meses mais de 30 polícias, que queriam entrar nesta subunidade da Unidade Especial de Polícia, acabaram por desistir. Primeiro passaram os testes físicos, escritos e psicológicos que lhes permitiram entrar no curso. Mas logo nos primeiros três dias de treino muitos veem que a tarefa não é fácil. “São convocados para se apresentarem à meia-noite. E são três dias muito duros”, diz uma fonte policial. 

Neste momento, há pouco mais de 50 polícias a terminar o curso de acesso, que deverá estar concluído durante a próxima semana. A cerimónia de encerramento está marcada para o dia 7 de maio. O Observador acompanhou um dos dias de treino, no Baleal, em Peniche. Os polícias estiveram três dias num exercício que simulava a segurança pessoal a dois presidentes de dois países distintos.
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Fidalgo, um homem alto e moreno cuja educação alemã o impede de esboçar grandes sorrisos em serviço, faz segurança a altas entidades a nível nacional. Mas o CSP tem três áreas de atuação: as entidades internacionais, as nacionais e a proteção pessoal a testemunhas, arguidos e magistrados. Nos dois primeiros casos, o próprio cargo que a entidade em causa ocupa obriga à existência de segurança pessoal. No caso da proteção policial, existe uma ameaça concreta que leva o tribunal a decretar essa necessidade. A forma de estar numa e noutra situações pode ser diferente. 

Mas, dizem estes operacionais, há uma obrigação comum: os sentidos têm de estar bem alerta, como a audição e a visão. E a rotina é inimiga deste trabalho. É por isso que, nos seus percursos profissionais, estes polícias já passaram pelas três realidades. E mudam constantemente.

Na parede da sala destes polícias há um quadro com a fotografia de cada um dos membros do atual Governo e o nome. O chefe Fidalgo está neste momento a fazer segurança a um deles. Não pode dizer qual. Já o fez várias vezes. Fala com tanto profissionalismo e isenção das suas funções que é difícil imaginá-lo misturar as emoções com o trabalho. “Nem devo. A ligação pessoal é muito bonita, mas é má para nós e para o nosso trabalho”, assegura. São 24 horas sobre 24 horas com uma pessoa, mas o ideal é que não se estabeleça qualquer relação. Até porque isso seria prejudicial ao trabalho.

Sem nunca identificar as pessoas de quem segue os passos, lembra que, por vezes, são os visados os próprios resistentes à segurança pessoal. “Imagine o que é ter agora uma pessoa sempre atrás”, exemplifica. O cargo obriga a isso e cada vez que um ministro toma posse é-lhe feito um briefing sobre o que é isto da segurança pessoal e sobre o facto de, a partir daquele momento, a pessoa em questão ser uma figura pública. E a segurança obriga a determinados comportamentos para que tudo seja garantido. Se for preciso que a entidade deixe de ir passear o cão diariamente à rua, ele sugere. Se for necessário deixar de ir ao mercado às compras ou deixar de frequentar determinados ambientes também.

Um pacto e uma distância que por vezes são difíceis de manter. Aos 51 anos o chefe Castilho, que já quase celebrou as bodas de prata com o CSP, ainda fala com alguma emoção dos tempos em que foi segurança pessoal de um ex-primeiro-ministro socialista. Recorda-se de todas as viagens em que o acompanhou ao estrangeiro, onde a mulher recebia tratamento médico. Ela acabou por morrer. 

Lembra-se, depois, do seu segundo casamento e da lua-de-mel. “Tive que ir com eles de lua-de-mel!” A viagem teve como destino Marrocos e até implicou passeios no deserto. Castilho esteve sempre lá.
1981. O Papa João Paulo II era salvo de uma tentativa de homicídio graças a elementos do CSP, em Fátima. Na altura o padre espanhol Fernandez Krohn, que pertencia a uma comunidade de católicos opositores à Santa Sé, viola o cordão de segurança e aproxima-se do Papa. É imobilizado por um elemento da PSP, que depois percebe que o padre em causa estava armado com um punhal com o qual queria atingir o Papa. Dez anos depois, o ainda agente Castilho estreava-se no CSP coma visita do Papa João Paulo II a Fátima. O dispositivo de segurança era enorme e envolvia várias forças policiais. “Aí percebi que o trabalho no terreno é muito diferente. Lidar com as situações reais não é a mesma coisa que no curso”. Ele próprio não terá chegado muito perto do Papa. Recorda-se que todos os polícias dormiram em sacos de cama num espaço amplo.
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Pouco tempo depois, a experiência de que hoje ainda fala como se não tivessem passado quase duas décadas. O ex-primeiro ministro inglês John Major, sucessor de Margaret Thatcher, escolheu a zona do Douro para umas férias em Portugal. E o chefe (João Silveira) foi um dos portugueses destacado para a segurança pessoal. Foram duas semanas literalmente passadas na vinha que circundava a a casa de férias. Literalmente não. O chefe recorda que um dia teve direito a um passeio de barco pelo Douro. Mas, em trabalho. John Major queria passear. Os polícias portugueses envolvidos na segurança foram, mais tarde, convidados pelos colegas britânicos para se deslocarem a Londres. John Major soube que eles estavam por lá e até os recebeu por breves minutos. Queria dar-lhes um aperto de mão.

Nem todas as entidades chegam a trocar palavras com os polícias do CSP. Há quem não olhe sequer para eles. Outros cumprimentam e até deixam lembranças. Na sala de reuniões do CSP há várias fotografias na parede onde figuram altas personalidades que já foram “guardadas” por esta equipa, desde Yasser Arafat com Mário Soares, ao ex-presidente francês Sarkozy, não esquecendo o Príncipe Carlos e Camila.

Bill Clinton aparece em duas fotografias diferentes, de duas vezes que esteve em Portugal. Nenhuma delas enquanto presidente dos EUA. Uma delas coincidiu com o último dia de um elemento do CSP, antes da sua aposentação. Dias depois chegava à Unidade Especial de Polícia uma carta dos EUA: Bill Clinton mandava uma fotografia dele com elementos da CSP ao cuidado do polícia aposentado.
Mas uma das memórias que guarda de Clinton foi no Rock in Rio. “Ele estava em Portugal para um seminário, mas como era muito amigo do Mick Jagger, tinha sido convidado para ir ao concerto”. A segurança foi concertada com os responsáveis pela segurança do festival no parque da Belavista, em Lisboa. Os carros onde seguiam Clinton e os elementos da segurança pessoal entraram pelas traseiras. O ex-presidente foi levado por um corredor improvisado, mesmo por baixo do palco principal. E como a zona VIP não era “verdadeiramente uma zona VIP”, foi-lhe colocada uma cadeira junto à mesa de mistura para assistir ao concerto dos Rolling Stones. Uma visita não secreta, mas muito discreta.

Outro ex-presidente dos EUA que Castilho não esquece foi o George H. W. Bush, o pai. O chefe da PSP recorda-se de o ter ido buscar a Alcântara e, já a passar a Avenida de Ceuta, assim que ele pôs os olhos no Casal Ventoso perguntou ao polícia o que “era aquilo”. Na altura a toxicodependência via-se da berma da estrada. E o presidente não terá ficado alheio ao degradante cenário.

Mais recentemente, no último dia 10 de abril, foi o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, quem lhe trocou as voltas. Normalmente as entidades que visitam o presidente da República, Cavaco Silva, abandonam de carro o Palácio de Belém. Mas, na última visita, Valls ainda tinha tempo até ser recebido pelo seu homólogo, Passos Coelho, e decidiu caminhar a pé até aos Jerónimos. As imagens das televisões captaram os elementos do CSP aflitos com a mudança de planos. Mas nada de mal se passou.

Aliás, o único incidente de que se recorda na sua carreira aconteceu na Expo 98, quando o ex-primeiro-ministro espanhol Filipe Gonzalez esteve em Portugal. O ataque partiu de um jornalista que lançou um ovo para o atingir. Um elemento do CSP chegou-se à frente para proteger o político. E acabou por ser ele o atingido. Com o ovo.

(Os nomes dos chefes da PSP entrevistados são fictícios, de forma a proteger a sua identidade.)

* Chamar guarda costas a este profissionais de risco é quase um insulto.


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