13/05/2015

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HOJE NO
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Há quem ganhe dinheiro com 
políticos em jogos de sorte e azar

Num país onde o futebol é rei, a política também seduz, nem que seja para apostar

Jogos de futebol das ligas mais famosas. Eventos como o recente “combate do século” entre Mayweather e Pacquiao. Corridas de cavalos. Corridas de cães galgos. A entrega da Bola de Ouro ao melhor jogador do mundo. São exemplos de apostas que fazem qualquer visitante de casas online investir dinheiro com regularidade. E há até quem viva exclusivamente disso, como é o caso de Paulo Rebelo, apostador profissional que é também fundador da Associação Nacional de Apostadores Online. Até ao momento, o negócio das apostas tem funcionado sem qualquer legislação (sem tributação de impostos), mas o governo já deu luz verde ao diploma que irá regulamentar a actividade e deverá entrar em vigor ainda este ano.

No universo complexo da sorte e do azar, dominado pelas competições desportivas (99%), há apostas que fogem à norma e que acabam por ser notícia de tão insólitas que são. Conhecidas como não desportivas, têm uma relação directa com a actualidade do país. Não cativam os apostadores habituais, até porque “não existe nenhum método científico para aplicar a esse tipo de assuntos”, explica Paulo Rebelo, salientando que “normalmente, estas apostas são estratégias para as casas de apostas se darem a conhecer na comunicação social”. E conseguem-no.

Nos EUA e no Brasil aposta-se nos resultados eleitorais. Em Portugal chegou a apostar-se, em 2005, em quem iria vencer as presidenciais. Depois de muitas críticas da Comissão Nacional de Eleições sobre a ilegalidade da situação, a empresa Betandwin retirou a aposta do site. No Reino Unido, onde a “cultura das apostas está mais enraizada”, qualquer coisa pode ser alvo de apostas e até é possível fazê-lo de forma personalizada. O mediatismo, contudo, recai sobre questões relacionadas com a família real. E ninguém poderá esquecer que se apostou também na data da morte da cantora Amy Winehouse.

E em Portugal? Qual é o momento preferido dos portugueses para apostar? Quando nuvens negras e densas sobrevoam o governo. As apostas envolvem quase sempre uma hipotética demissão de ministros e as estatísticas dizem que não vale a pena arriscar na sua queda, por mais provável que a saída pareça iminente. Em regra, continuam de pedra e cal na sua função. Quem disse que os portugueses não estão atentos à política? Se for para ganhar uns trocos...

António Costa  
Visita ao recluso 44
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No final do mês de Novembro de 2014, aquando da prisão preventiva de José Sócrates, o site Unibet lançou uma aposta sobre a visita de António Costa ao Estabelecimento Prisional de Évora. Quem apostasse que o actual secretário-geral do Partido Socialista fosse visitar o antigo primeiro-ministro até ao dia 31 de Dezembro poderia ganhar 1,50 € por cada euro apostado. Quem, pelo contrário, apostasse que Costa não se deslocaria a Évora antes do fim do ano poderia ganhar 2,40 € por cada euro apostado. A probabilidade de Costa visitar o amigo, segundo o valor das apostas, era maior para a hipótese da visita. António Costa manteve-se afastado de comentários durante algum tempo, mas acabaria por fazer render algum dinheiro a quem investiu tudo na primeira opção: o líder socialista visitaria o “amigo pessoal” no último dia de 2014. Valeu a pena apostar no “coração mole” do secretário-geral do PS.

Nuno Crato
Início escolar atribulado
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Os erros no concurso dos professores no início do ano lectivo 2014/15, e o consequente atraso das aulas, obrigaram o ministro da Educação a pedir desculpa aos prejudicados – professores, pais e alunos. Mas isso não foi suficiente para evitar que os portugueses colocassem em causa a sua continuação como ministro: “Irá Nuno Crato permanecer no governo até ao final do ano?” foi a questão lançada pela casa de apostas. Quem apostasse que sim, que o ministro continuaria, poderia lucrar 1,20 € por cada euro apostado. Quem tivesse fé na sua saída – situação menos provável – ganharia 4 € por cada euro apostado. Nuno Crato acabaria por resistir ao mau momento político. A demissão veio, no entanto, de onde menos se esperava: do secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, João Grancho (na sequência de uma acusação de plágio).

Rui Machete
O incidente diplomático
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Setembro de 2013. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, protagonizou um incidente diplomático que acabara por lhe trazer problemas políticos. No centro da polémica estiveram declarações, que o próprio viria mais tarde a classificar de “infelizes”, sobre processos judiciais a altos dirigentes angolanos que decorriam em Portugal. O ministro, em declarações a uma rádio de Angola, pediu desculpa àquele país pelas investigações, tendo mesmo afirmado que “era tudo uma questão burocrática”. Portugal e Angola viram a sua relação diplomática passar por um mau bocado. Em Outubro, a empresa Unibet levou os portugueses a apostar na permanência ou na saída de Rui Machete do cargo até ao dia 1 de Novembro. Por cada euro apostado na demissão do ministro, ganhava-se quase cinco. O risco seria menor se os apostadores não acreditassem na queda de Machete. Por cada euro apostado nessa opção, o lucro seria de 15 cêntimos. A probabilidade de o ministro sair de funções no período estabelecido era remota e assim veio a confirmar-se.

Maria Luís Albuquerque
a polémica dos swaps
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Maria Luís Albuquerque também esteve na mira dos apostadores. As apostas surgiram quando se viu confrontada com contradições e omissões relativamente aos contratos swap que assinou enquanto secretária de Estado do Tesouro, antes de assumir a pasta das Finanças. Em Agosto de 2013, depois da demissão do secretário de Estado do Tesouro, Joaquim Pais Jorge, o site Unibet colocou a questão aos portugueses: “Será que os swaps levarão à saída da ministra das Finanças?” Quem considerasse que Maria Luís Albuquerque sairia antes do dia 31 de Outubro ganharia 2,10 € por cada euro apostado. Os que, por outro lado, pensassem que tal não pudesse acontecer ganhavam 1,65 € por cada euro investido. Nunca ninguém se lembrou ainda de apostar na saída de secretários de Estado. Nestes casos, as probabilidades de ganhar seriam bem maiores.

Paulo Portas
a demissão “irrevogável”
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A crise política que se instalou, no Verão de 2013, no executivo de Pedro Passos Coelho, com a “irrevogável” demissão de Paulo Portas (então ministro dos Negócios Estrangeiros), abriu caminho a mais uma aposta na internet: “Irá o governo português sobreviver a esta crise?”, perguntava o site aos seus visitantes. Quem respondesse “não” poderia ganhar até 1,80 € por cada euro apostado. Quem apostasse na resolução da crise e na continuação da maioria parlamentar podia ganhar 1,90 € por cada euro apostado. Paulo Portas deu a volta à demissão “irrevogável” e acabaria por sair da crise, em Junho desse ano, com a sua posição reforçada no governo. Tornara-se então vice-primeiro-ministro do executivo, que continuaria de pé.

Miguel Relvas
A licenciatura (ou a falta dela)
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Em 2012, a polémica sobre a licenciatura de Miguel Relvas, antigo ministro Adjunto e dos Negócios Parlamentares do executivo de Passos Coelho, levou a Unibet a apostar sobre a permanência ou a saída do ministro até 31 de Julho. A casa de apostas atribuiu maior probabilidade à queda do ministro, ou seja, quem arriscasse na continuação de Relvas no governo teria um lucro superior ao dos que acreditassem que sairia de cena. Os apostadores que considerassem que o então ministro se iria demitir do cargo poderiam ganhar 1,72 € por cada euro apostado. Se acreditassem que tal não iria acontecer, ganhariam 2 € por cada euro apostado. Foi uma questão de tempo: Miguel Relvas acabaria por se demitir mas muito mais tarde, em Abril de 2013.

* É confrangedor o preço de fancaria que as apostas on-line atribuem aos governantes portugueses, mas é o preço certo.


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