ESTA SEMANA NO
"OJE"
Consequências e poderes das comissões de inquérito que a opinião pública ignora
As comissões de inquérito já levaram a demissões de altos cargos
públicos e ajudaram a fazer prova em processos judiciais e
contraordenacionais, mas na opinião pública prevalece a ideia de que são
“blá-blá-blá” e guerras entre partidos.
Entre-os-Rios, BPN, BCP e uma das muitas sobre Camarate são casos de
Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) cujas consequências –
políticas, administrativas e outras – foram recordadas em entrevistas à
agência Lusa por deputados intervenientes.
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“Foi o desenvolvimento dos trabalhos da primeira Comissão Parlamentar
de Inquérito sobre o caso Banco Português de Negócios (BPN) que levou à
demissão de um Conselheiro de Estado, Dias Loureiro”, recorda o antigo
deputado comunista Honório Novo.
Mas o cidadão comum ou não se recorda ou espera mais, como mostram
entrevistas de rua realizadas a quase duas dezenas de pessoas, que
confundem amiúde os trabalhos em plenário e as CPI, ignoram os poderes
que estas têm e que não se confundem com os poderes de julgar e condenar
dos tribunais.
“É paleio. Falam muito mas no fim não se veem conclusões. O BES por
exemplo, falaram com uma data de funcionários e não se vê, de facto,
grandes conclusões. O Ricardo Salgado (antigo presidente do banco)
continua aí a passear”, atira Manuel Oliveira, engenheiro agrónomo
reformado.
Gaudêncio Vieira, ex-bancário e professor na Universidade Sénior, diz
que “os deputados são levados pela linguagem hermética que os
banqueiros utilizam para engonhar os processos”. Marília, reformada,
também “ vê sempre” na televisão mas acha que “tudo espremido não deita
sumo. É só blá-bla-blá e clarificação dos assuntos pouco”.
“Se ajuda? Então não ajuda? É um princípio”, considera Maria,
reformada, enquanto Sónia, estudante, entende que “deveria haver
conclusões” e como “normalmente não há”, não fica esclarecida.
O eurodeputado eleito pelo CDS-PP Nuno Melo, advogado de formação, precisa que uma CPI “não se confunde com um tribunal”.
“Pode juntar documentos, arrolar pessoas para serem ouvidas, requerer
perícias técnicas, mas não pode lavrar uma sentença que condene ou
absolva quem quer que seja”.
O objetivo, explica também Honório Novo, é apurar factos, definir
responsabilidades de agentes políticos ou administrativos ou de outros,
de terceiros. Depois concluir pela responsabilidade e recomendar
alterações de procedimentos às instituições e ainda remeter tudo o que é
passível de procedimento judicial ou criminal para os tribunais, o
Ministério Público, ou entidades de regulação e de supervisão, consoante
os factos.
Há 14 anos, em março de 2001, a ponte de Entre-os-Rios ruiu arrastando um autocarro e dois outros veículos. Morreram 59 pessoas.
Teve consequências políticas imediatas, com a demissão do então
ministro do Equipamento Social Jorge Coelho e os trabalhos e conclusões
da CPI, que se seguiu, serviram “como elemento de prova do tribunal que
julgou a situação”, lembra o antigo deputado comunista.
Foi este caso que levou também à criação de um sistema de gestão com
inspeções periódicas às pontes e o relator desta comissão, Renato
Sampaio, deputado socialista, não tem dúvidas de que “ajudou em muito no
apuramento dos factos” e deu um contributo no julgamento do processo e
na “sentença de indemnização prestada as vitimas”.
Nuno Melo recorda outro caso, o da 8.ª comissão à tragédia de
Camarate, em que morreu, a 04 de dezembro de 1980, o então
primeiro-ministro, Sá Carneiro (PSD), e o ministro da Defesa, Adelino
Amaro da Costa(CDS), a que presidiu, em que “um conjunto de peritos
chegou a um conjunto de conclusões que indiciaram a prática de crimes e
todo o espólio documental, além das conclusões, foi remetido ao
Procurador Geral da República, na altura Souto Moura”.
Depois disso, “um ofício dele reconhece, pela primeira vez, do lado
do Ministério Público a existência de indícios da prática de crime” por
que “até ali a PGR tinha sustentado sempre exclusivamente a
possibilidade de um acidente”, salienta o deputado.
Voltando à área financeira, Honório Novo, lembra que a criação de
equipas permanentes do Banco de Portugal fixadas em bancos de maior peso
é resultado da primeira comissão sobre do BPN.
As sanções para crimes financeiros foram agravadas do ponto vista
contraordenacional e também do ponto de vista penal, embora neste
“continuem a ser uma espécie de penitência que compensa”, refere.
Honório Novo e Nuno Melo voltam ao caso BPN para salientarem a
importância das comissões parlamentares de inquérito e estabelecerem,
com algumas críticas, a diferenciação em relação à atuação da justiça.
Aquilo com que o português médio pode estar frustrado, diz o antigo
deputado comunista, “é que a comissão, que tem como prazo limite de
funcionamento seis meses, tenha produzido o que produziu do ponto de
vista do apuramento de factos, e a justiça (…) só agora tenha iniciado,
praticamente, os julgamentos das pessoas implicadas num processo desde
2008. Isto sim devia causar perplexidade às pessoas”.
“Houve muito que se conheceu sobre o BPN e do que ali sucedeu que de
outra forma não teria sido conhecido nem hoje, porque muitos dos
processos ainda estão sob segredo de justiça. Por outro lado tudo o que
foi dito serve também à justiça, está registado em ata e tem valor
probatório”, afirma Nuno Melo.
* Fica a informação
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