27/03/2015

JOSÉ PACHECO PEREIRA

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Meu bom Pan

Perguntas-me tu, habituado à dialéctica, o que é que tem mudado no meu infeliz país, à beira-mar plantado? O que é que acontece? Homem dos antípodas, nada. Lamento dizer que o meu infeliz país, fórmula que vou passar a usar ritualmente, é todo partidário de Zenão de Eleia e do seu mestre Parménides. Ou seja, não anda para a frente, não se mexe, não muda, está à espera, de Godot? Não. Está à espera que alguém faça pelos portugueses o que os portugueses precisam de fazer.

Sabes, o sebastianismo é uma doença crónica do País. Só que D. Sebastião não veio, nem o outro Sebastião, Constantino XI Paleólogo, também não saiu das muralhas para expulsar os turcos de Bizâncio. Ainda lá estão. Os deles, gregos, e os nossos, portugueses. Estamos pois na banda de Zenão, Parménides, o pântano, a gelatina, o estado pastoso. Até os teus aborígenes têm uma história mais animada.

O problema é que em quatro anos de legislatura temos um ano completamente eleitoral, ou seja, completamente bloqueado, de espera pura. No nosso caso, tivemos um ano para perceber minimamente como se governava, 2011. Muito minimamente. Sobram três, 2012, 2013, 2014. Nesses anos, como começou a haver um descalabro nas contas, entregou-se a governação à troika, que governou os dois anos seguintes em "protectorado", contando com a pública disponibilidade do Governo não só de fazer tudo o que eles queriam (é interessante ver como hoje se está a querer mudar a história…), mas "indo mais longe do que a troika". Eles diziam mata os reformados e pensionistas, mata os salários, mata o emprego, mata os serviços públicos, mata os funcionários públicos, mata o Tribunal Constitucional, e o Governo, mais o PSD e o CDS, diziam esfola. Na Segunda Guerra seriam kollabos. Depois, em 2014, começaram as eleições, entrou-se em modo eleitoral com grande pena da ex-troika e do FMI que pensava que "eles" eram fiáveis… Mas não há nada como o fim de uma guerra quando se está do lado perdedor, para mudar rapidamente. A começar pela memória. Sobra um ano e é este, o ano eleitoral. Rien de rien.


A culpa é do Presidente, que sabe muito de Economia, mas tomou a mais antieconómica das decisões: manteve a data das eleições, mesmo sendo esta legislatura mais comprida, atirando-a para a pior altura, no meio de todas as confusões. A probabilidade de sair asneira é elevada, porque nenhum prazo bate certo: nem o do Orçamento, nem o do ciclo eleitoral associado aos poderes do Presidente, que pode ter de os exercer e não os vai ter, e se não houver maioria absoluta, vai ser um martírio. É só contar os meses até às próximas eleições, as de 2016.

Não havia nenhum problema institucional em antecipar eleições. O próprio Presidente admitiu-o aquando da "crise Portas", mas depois mudou de ideias. Tinha para antecipar as eleições o melhor dos argumentos: tendo pedido aos partidos do chamado "arco da governação" que se entendessem, estes responderam que não. Como o Presidente entende que nada é possível sem "consensos" e toda a gente entende que sem eleições não há "consensos" sobre nada, está tudo bloqueado à espera. Temos pois um Presidente do lado do Parménides.

E estamos nisto, tu à procura de pedras auríferas, e nós entregues ao ouro dos tolos… É uma coisa estranha este ano prolongadíssimo de eleições. Como não abundam as ideias e parece que só se pode fazer uma política, a do "ajustamento", anda tudo a dizer sempre as mesmas coisas. O meu infeliz país também padece de uma doença estranha: nunca há erros de política, erros substantivos, é só erros de "comunicação". Os comentários televisivos semanais são duríssimos com os "erros de comunicação", e mansíssimos com as políticas geniais e impolutas deste Governo. Portanto, comunicamos mal. O resto é a "inevitabilidade". As pessoas estão cansadas e fartas, mas meteram-nas no meio de uma pasta gelatinosa e fica tudo em slow motion.

E depois, claro, proliferam os mutantes, como uns coelhos e uns cangurus que deves ver por aí e que têm uma perna a mais, mas correm mais devagar. Como toda a gente percebe que há uma crise de representação, mil e um pequenos partidos vão tentar a sua chance para eleger os seus líderes deputados no meio do voto branco e do nulo. Não lhes auguro grande destino, primeiro porque acham que perceberam as "lições" do Syriza ou do Podemos e não perceberam. Acham, à direita, que basta um pouco de populismo, quase sempre sob a forma de recusa verbal do "sistema". À esquerda, trata-se de um esforço ainda mais patético de reciclagem não tanto das ideias da esquerda – essas, de tão recicladas, estão que se desfazem de puídas –, mas das personalidades da esquerda de um grupo para o outro. Como os teus sensatos aborígenes, o povo prefere um canguru com duas bolsas a um com três pernas. Esses, eles entendem melhor.

Pois assim estamos, meu bom amigo prospector. Caiu-nos a maldição do dia da marmota. Acordamos sempre para fazer as mesmas coisas que fizemos no dia anterior e assim pelos séculos dos séculos. Esperamos um milagre? Mas o que é que podemos esperar a não ser um milagre?

Adeus e um abraço do teu amigo Heráclito de Éfeso, no exílio.

IN "SÁBADO"
20/03/15


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