24/03/2015

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HOJE NO
 "OBSERVADOR"
Num momento a vida ficou 
virada ao contrário. 
E agora?

A Novamente lança o movimento Tudo ao Contrário, para recordar a importância da epidemia silenciosa - que é vivida, e sofrida, por dois testemunhos importantes.

António, na altura com 22 anos, esteve em coma induzido durante duas semanas. Perdeu a capacidade de falar, de comer, de andar. “Não sabíamos se ele nos conhecia ou não”, lembra a mãe. Era como se, a partir daquele momento, tivessem de o fazer renascer.
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Ficou #tudo ao contrário. A expressão é o mote da campanha da Associação Novamente, que apoia as famílias e as vítimas de Traumatismos Cranianos Graves. A “epidemia silenciosa”, como é apelidada pela Organização Mundial de Saúde, pode provocar perda de memória, descontrolo emocional, alterações de linguagem e de visão, mas tudo depende de caso para caso.

António estava no Hospital de São José em Lisboa. Recebia a visita de umas amigas que, depois das aulas, seguiam para o hospital. Faziam um trabalho de estímulo para que António começasse a reconhecer os pais, os irmãos e os mais próximos. Tiraram fotocópias a fotografias da família e dos amigos em papel A4 e penduraram-nas nas cortinas ao lado da cama. Depois, apontavam para as fotografias e repetiam os nomes das pessoas que lá estavam. Fizeram ainda um quadro com frases básicas, como “tenho sede”, “tenho fome”, “quero comer”, “quero falar”.

As quedas e os acidentes rodoviários são as maiores causas de Traumatismo Craniano Grave nos adultos jovens. Foi precisamente um acidente de automóvel que mudou a vida de Andreia João. Em 2011, era modelo e viajava de carro com Marta, também modelo. Iam a caminho de um trabalho no Alentejo. Marta ia a conduzir, ultrapassou um traço contínuo e bateu contra uma carrinha. O acidente aconteceu em Benavente. Ela partiu a bacia e teve um ligeiro traumatismo, Andreia teve um TCE grave com muitas sequelas.

Esteve dois meses em coma. “Quando acordei não sabia nada, não reconhecia familiares, nem sabia quem eu era”. A memória é o que nós somos. Perdê-la é perder parte de nós. Hoje, muitos dias depois, vai recuperando a pouco e pouco fragmentos do passado. “Só me lembro de coisas de quando era mesmo pequenina. Se vir alguma das gravações que fiz para novelas ou filmes de desfiles, consigo ir buscar essas memórias”. Andreia nunca sabe quando vai recuperar mais um bocadinho de si. “Já me aconteceu passar num sítio e lembrar-me de coisas passadas lá. É inesperado”.

O lado esquerdo do corpo sofreu bastante com o traumatismo. Agora, tudo o que seja necessário fazer com as suas mãos é uma tarefa complicada, como “atar os atacadores”, exemplifica. Nota também dificuldades na fala, mas essas dificuldades lutam com o esforço que Andreia faz para que o seu discurso seja percetível. Andreia conversa connosco ao telemóvel a partir do Hospital Santa Maria, em Lisboa. O TCE é persistente. Quatro anos depois, está de volta ao hospital para ser submetida a uma nova cirurgia ao crânio.

A campanha da Associação Novamente quer “dar uma oportunidade a quem precisa de começar novamente” e ajudar à reintegração social das vítimas. Até 29 de março, os responsáveis convidam as pessoas a tirar uma fotografia, virá-la ao contrário, usar a hashtag #tudoaocontrario e partilhá-la nas redes sociais. O objetivo máximo é a sensibilização para a causa.

António passou por vários hospitais. Recuperou a memória de tudo o que se passou antes do acidente, já escreve “perfeitamente” português e inglês e está a estagiar na Faculdade de Engenharia do Porto. Hoje, a rotina do rapaz de 27 anos passa por fazer fisioterapia duas vezes por semana, terapia da fala duas vezes por semana, motricidade fina e cognitiva uma vez por semana.

Faltam dois anos para terminar o curso de engenharia. Dois anos são mais do que dois anos para António. “Ele quer acabar o curso, mas é uma incógnita porque tudo isto é uma incógnita: os médicos não lhe davam esperança nenhuma, diziam que o assunto era gravíssimo e ele ainda agora acabou de chegar da natação, tomou banho sozinho, vestiu-se a arranjou-se sozinho e agora está lá em cima sentado a ler”, conta-nos a mãe Teresa, de 62 anos, ao telefone.

Andreia já passou por várias fases. Conta com o apoio de família e amigos. Agora diz estar “confiante” mas não esquece as fases mais complicadas. As queixas que têm não são do seu corpo ou da sua mente. Queixa-se, sim, mas dos outros. “Quando eu andava de cadeira de rodas, as pessoas não tinham noção. Parece que pensavam que como eu estava sentada, podia bem esperar. As pessoas não são respeitadoras, sabe?”

* Quando temos um amigo com traumatismo crânio encefálico devemos tomar consciência que seremos os "médicos" permanentes.

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