06/03/2015

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HOJE NO 
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Mau-olhado. 
A crença que não escolhe idades
 nem classe social

Queixa é habitual nas consultas de astrólogos e “mestres” do esoterismo. Mas padres e psicólogos também a ouvem. Crise aumentou fenómeno que recentemente foi ligado às primeiras sociedades com grandes diferenças sociais

Maria, estudante de 23 anos, nunca tinha pensado a sério no assunto. Mas à quarta relação que fracassava aos três meses foi pela primeira vez à bruxa. Não precisou de dizer muito até a mulher lhe dar o veredicto: mau-olhado de uma rapariga que gostava de um rapaz com quem namorou há cinco anos. “Nunca tinha pensado se acreditava ou não, mas ela disse-me o nome da pessoa, que eu também conhecia”, conta. Incrédula, tentou outro profissional do ramo e o diagnóstico foi o mesmo: inveja a tal ponto que a rival tinha ido a um profissional para a bloquear. 
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Maria seguiu à risca o remédio para afastar o mau-olhado: durante nove dias, deveria começar o banho por se esfregar em sal, para libertar más energias, e depois em alecrim e arruda, para atrair as boas. Ainda está à espera dos resultados, mas o detalhe da experiência convenceu-a. Pela primeira consulta, pagou 40 euros. Na segunda opinião, foi livre para fazer o donativo que quisesse. Já Isabel, doméstica de 56 anos, ficou convencida quando os filhos eram pequenos e passavam horas a chorar sem razão aparente: bastava que uma conhecida fizesse as suas orações do “quebranto” para o casal, com 11 meses de diferença, acalmar. A certa altura passou ela própria a fazê-las. E recentemente tentou voltar a procurar ajuda para um irmão doente, que acabou por morrer no tempo em que lhe disse a vidente ao ouvir apenas o nome dele. Não havia nada a fazer. 

A crença no mau-olhado remontará às primeiras sociedades organizadas, aliás um estudo publicado este ano na revista científica “Journal of Economic Behavior & Organization” sugere que terá nascido como defesa nas comunidades com maiores desigualdades sociais, para as pessoas se escudarem da inveja de quem tinha menos. O certo é que parece estar de pedra e cal no século XXI, apesar de não haver provas de que seja algo real. Na Grécia Antiga ainda havia a teoria de que o olhar libertaria substâncias, o que explicaria a sensação de estar a ser observado. E apesar de em 2010 ter sido publicado um estudo que sugere ser possível medir ondas electromagnéticas provenientes do olhar, sustentando que algumas pessoas poderão detectar mais facilmente essas vibrações, estão por encontrar provas de que possamos ser amaldiçoados por esgares ou pensamentos negativos de alguém. 

Padres e psicólogos  
Mas é aqui que as coisas complicam. Além de mestres e videntes, as queixas de mau-olhado também chegam a padres e psicólogos. António Fontes, o pároco de Vilar de Perdizes famoso por organizar há 30 anos o congresso de medicina popular, é o primeiro a dizer que o mau olhado não passa de superstição. Diz ser procurado por muitas pessoas com essa preocupação, a quem se limita a explicar que não existe “poder real” nenhum de causar bem ou mal a alguém. “As pessoas é que ao sentirem ódio, raiva ou ameaçadas de alguma forma tendem a atribuir os seus azares e problemas a um provocador.” Dito isto, não quer dizer que os impactos não sejam reais: “quem acredita que alguém lhe está a fazer mal, deixa-se de controlar por esse sentimento de inveja e mau olhado e tem consequências, que podem incluir sintomas.” 
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Um mal que não escolhe idades nem classes, diz o padre. E Jorge Gravita, psicólogo clínico, concorda: “É mais uma questão de perfil, mais comum entre as pessoas mais sugestionáveis.” As queixas também não são estranhas ao psicólogo, que explica que faz parte da natureza humana tentar processar o “desconhecido”. O problema é quando a superstição ou crença se tornam uma obsessão, o que poderá indiciar até paranóia ou psicose. 

Como trata um psicólogo alguém que se sente vítima de mau olhado? “Temos de fazer com que a pessoa exponha os fantasmas e demónios que a povoam e encontre formas de expressão que não a fuga ou o evitamento”, resume Gravita, dizendo contudo estar fora de questão obrigar o doente a rejeitar algo em que acredita. “Nunca se confronta directamente a crença. O que tentamos é que a pessoa evolua, perceba a origem dos receios e porque é que o pensamento mágico assume tal proporção na sua vida”, explica. É preciso dar espaço para que perceba a lógica das casualidades da sua vida e consiga “construir uma narrativa que a desintoxique”, acrescenta. 

Cuidado com burlões  
E se isso implicar fazer orações ou ter santinhos, não há problema diz o psicólogo, para quem o sinal de alarme é quando percebe que a pessoa está a destruir a vida familiar e o seu património por ter entrado em algum “esquema purgatório”, fenómeno que sente ter aumentado nos últimos tempos, até em algumas novas igrejas.“Temos o dever ético de alertar. Nem todos os bruxos serão burlões, mas alguns aproveitam-se”, diz Gravita, que por outro lado reconhece que há pessoas tão sugestionáveis que sentem que só o consolo de uma autoridade na área mais paranormal as pode ajudar.  E se às vezes pode parecer um caminho mais fácil, há perigos. “Pode parecer mais seguro do que ter de reconhecer os afectos e problemas interiores que interferem nas relações ou trabalho. O problema é  que personalidades com maior registo supersticioso são mais vulneráveis à burla, porque no fundo acreditam que é possível controlar o futuro, enganar a sorte. Como alguém que ache possível comprar uma fórmula para vencer sempre no casino.” 

Maria Helena Martins, astróloga das manhãs da SIC, desdramatiza: diz que nesta área existem burlões como em qualquer profissão, aconselhando que os interessados se guiem por contactos de amigos e familiares satisfeitos. Para a astróloga, é notório um aumento das queixas de mau olhado com a crise, ocupando 50% das suas consultas. Mas também não vê nisso nada de muito esotérico. “Quando a vida corre mal, as pessoas tendem a colocar as culpas no exterior e não o interior e é isso que fundamenta a crença”, diz. 

Também Maria Helena defende que, havendo ou não terceiros à mistura, o certo é que os sintomas são reais, mesmo que seja tudo psicológico. “E o que é que não é psicológico?”, contrapõe. Entram então as orações e os amuletos, estratégias de fortalecimento que funcionam em pessoas de fé, explica. “Não tendo força, transfere-a para o objecto, que pode ser uma medalhinha da mãe ou outro em que acredite.”  

Na hora de deitar mãos à obra, para Maria Helena não há melhor que a tradição: repetir a velhinha oração do “quebranto” – Deus te viu, Deus te criou, Deus te livre. De quem para ti mal olhou. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Virgem do Pranto, Tirai este quebranto – enquanto se pinga azeite num prato de água, com o dedo polegar com que se está a benzer a vítima. Se o azeite se separa, há quebranto. Se não separa, não há. Diz que a explicação científica não é com ela, mas as pessoas sentem-se melhor. E no fundo é esse o argumento. Para o professor Amadou, um dos muitos mestres que promete protecção contra o mau olhado nos classificados dos jornais, a tradição herdada do avô do Mali também é a melhor arma contra o que resume ser uma inveja capaz de barrar oportunidades. Não tem cura, mas sim formas de se proteger com banhos e amuletos à medida, explica, sem desvendar mais. Cobra 25 euros pelas consultas. 

* O verdadeiro "mau olhado" é do governo sobre nós.

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