07/01/2015

MARIA MANUEL MOTA

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Investigação básica: 
os alicerces do 
desenvolvimento científico

A FLAD anuncia quarta-feira os vencedores do Prémio Life Science 2020 em investigação básica e investigação aplicada. Porque uma não vive sem a outra

Uma ideia recorrente, defendida por especialistas em economia e finanças durante a crise do sistema financeiro, é a de que as poupanças devem ser repartidas por vários tipos de aplicações, numa lógica de não colocar os ovos todos no mesmo cesto.

A razão para esta estratégia é até bastante simples: se as cotações da bolsa descerem drasticamente (ou um dos cestos cair, na analogia dos ovos), sobram os depósitos a prazo. É curioso, no entanto, que esta estratégia - de bom senso, afinal - não esteja a ser seguida para o financiamento da ciência, em particular na área das ciências da vida.

Assustados com o clima de austeridade, os principais financiadores têm vindo a dar cada vez mais importância à aplicabilidade da ciência, à dita investigação de translação: uma investigação direccionada para o tratamento de uma doença em particular. Identificado um problema específico, como a necessidade de prevenir o ébola, procura-se uma solução - no caso, a vacina.

Do outro lado temos a investigação básica ou fundamental, que tem como propósito descortinar pura e simplesmente os mistérios da existência, criar conhecimento, sem um propósito pré-definido. O problema é que esta exige tempo sem dar quaisquer garantias. É impossível prever o resultado final quando se inicia o estudo de um mecanismo celular totalmente desconhecido.

Andre Geim, laureado com o Nobel da Física em 2010 pela descoberta quase acidental do grafeno - um novo material com extraordinárias propriedades - e professor da Universidade de Manchester, defende que "a nossa sociedade está à beira de uma crise de novo conhecimento. A cadeia da descoberta básica ao consumidor final é longa, obscura e lenta mas, se destruirmos a base, o sistema colapsa".
A discussão faz-se por todo o mundo. Que face da moeda se deve privilegiar? A questão tem sido vivida com mais intensidade em países como os Estados Unidos da América ou o Reino Unido, onde há grande tradição, sobretudo ao nível das empresas ou das fundações, no apoio à investigação fundamental.

Com os privados fora da jogada, o peso da investigação básica recai todo nas universidades e governos, e também estes têm vindo a dedicar a maior parte dos fundos à investigação aplicada. O principal programa comunitário de financiamento da investigação e inovação, o Horizonte 2020, é um exemplo disso mesmo, ficando o apoio à investigação fundamental quase exclusivamente a cargo dos projectos ERC (European Research Council), com um orçamento muito, muito mais reduzido.
Ao longo da história da ciência tem havido inúmeros exemplos de como uma investigação sem um propósito concreto acabou por ser a base da resolução de graves problemas da humanidade. Podemos pensar em Newton, que quando descreveu as suas leis do movimento, no século xvii, não teria a mais ínfima expectativa de que, três séculos mais tarde, estas estariam na base do lançamento de satélites ou da ida à Lua.

Na área das ciências da vida, os exemplos também são mais que muitos. O mais famoso do género talvez seja a descoberta da penicilina por Alexander Flemming, que terá resultado de uma distracção, de um acaso, mas que tem sido responsável por salvar milhões de vidas em todo o planeta. Mais recentemente, a história do trastuzumab, ou Herceptin, é paradigmática.

Tudo começou com uma pergunta (como sempre): porque é que alguns cancros crescem rapidamente e outros não? Num trabalho de pura ciência fundamental, desenvolvido na década de 80 do século passado, Dennis J. Slamon, financiado pelo National Cancer Institute, verificou que uma proteína, a HER2, estava muito aumentada em vários cancros da mama, o que levava ao crescimento acelerado das células. A partir daí surgiu a ideia de que bloquear a acção desta molécula poderia atrasar a progressão da doença. Na década de 90, e já com a participação da start-up biotecnológica Genentech, criou-se o anticorpo monoclonal que se fixa à proteína inibindo a sua acção. Hoje sabemos que o transtuzumab melhorou em 30% o prognóstico do cancro da mama e abriu caminho ao desenvolvimento de novas formas de tratamento para outros tipos de cancro. Mas tudo começou com apenas uma pergunta.

Convencida de que ciência básica e ciência aplicada são as duas faces de uma mesma moeda, a FLAD lançou os prémios Life Sciences, que distinguem dois projectos, um em cada área - os primeiros vencedores serão anunciados amanhã, dia 7. Os prémios, no valor de 400 mil euros cada, pretendem estimular a competitividade e premiar a excelência - a única palavra-chave em ciência.
Para que se possa dar um passo de gigante, são necessários muitos passos de bebé.

* Presidente do júri do Prémio Life Science 2020 da FLAD.
Licenciada em Biologia em 1992, fez o mestrado em Imunologia em 1994 e o doutoramento em Parasitologia Molecular em 1998. Trabalha no Instituto de Medicina Molecular (IMM) como investigadora principal na Unidade de Malária. É presidente da Associação Viver a Ciência e foi distinguida com o Prémio Pessoa em 2013. É presidente do júri do Prémio Life Science 2020, lançado em Outubro de 2014 pela Fundação Luso-Americana para o De-senvolvimento, o maior prémio de ciência atribuído à investigação em Portugal.

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06/01/14


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