03/01/2015

JOANA BARRIOS

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Lilith

Os balanços de ano sempre me causaram alguma estranheza, porque os resumos pecam pelo esquecimento ao destacarem momentos melhores e outros piores: há sempre sumo nas entrelinhas que acaba por escorrer para todos os temas e que se pode constituir como pormenor valioso numa narrativa, e que se perde. É pena. Mas no acto de seleccionar, há sempre algo que fica de fora. O mundo é muito injusto.

De qualquer das formas, e correndo eu o risco de me esquecer de coisas importantes, creio que 2014 foi o ano largamente das mulheres. E não é por ser mulher que o digo, é porque, para onde quer que olhe, vejo feminismo.

Vejo mulheres em luta, mulheres em destaque, mulheres de mangas arregaçadas, no fundo.
O Google diz que uma das palavras mais procuradas em 2014 foi ‘feminismo’. Eu acredito. Porque o Google, tal como uma mulher, sabe imenso! [Risos]. Mas antes da estatística ser conhecida, é importante pensar no porquê que o ano foi das mulheres.

Além das acções concretas que as põem em destaque, entrego 2014 às mulheres à escala global, por terem sido capazes de defender todo o tipo de causas, por terem sido poderosas, por terem reconhecido, ainda que de forma residual, a sua imensa contribuição para a afirmação clara daquilo a que gosto de chamar ‘novos feminismos’. De Emma Watson (escolha óbvia) a Beyoncé ou Lady Gaga, passando pela já veterana Angelina Jolie, mas nunca esquecendo as anónimas que saltaram para a ribalta pelas mais diversas razões, como a mártir Tugçe Albayrak ou a Nobel da Paz Malala Yousafzai, entre tantas outras impossíveis de nomear, sob pena deste texto se tornar uma lista, o mais importante foi que, em 2014, a causa feminista se alastrou e expandiu de tal forma que pode não ter feito capas de jornal, mas fez certamente com que muitas mulheres repensassem o seu posicionamento relativamente a elas próprias e às suas semelhantes.

Reza a lenda que as mulheres são impetuosas umas para as outras, que se odeiam entre si e que são capazes de não se apoiar em situações críticas em que esse mesmo apoio seria muito bem-vindo. É tudo verdade. Sei disso porque vivo como mulher há 29 anos e já experimentei, quer pessoal quer profissionalmente, o ácidozinho feminino, capaz de corroer a mais indestrutível das ligas. Não que me tenha afectado, mas como sempre me rodeei de mulheres genuinamente felizes consigo próprias, capazes de encetar, portanto, amizades incondicionais, nunca fiquei a caminhar muito com a crueldade feminina. Quanto à discriminação masculina perante a mulher emancipada, esse já é outro assunto; apesar de nunca me ter sentido discriminada nem diminuída na minha condição de género, sei no entanto que já foi exercida essa força sobre mim e que esses episódios continuarão a suceder. O ideal, depois da veemência da cruzada deste ano, era que deixassem de acontecer, mas – e bem longe da resignação – fazem parte. Para essas ocasiões, usa-se o ensinamento de Valesca Popozuda: «Beijinho no ombro».

É claro que falamos também de um ano de excessos mediáticos, em que a hipersensibilização das particularidades da condição feminina levantaram ondas desnecessárias, que só vieram denegrir o que se tem andado a professar, ao encontrar-se, gratuitamente, mais uma luta vazia só porque as protagonistas são mulheres. Como em tudo, o essencial é ser razoável e entender que a condição da mulher pode, em 2014, ter estado pior em alguns aspectos, mas que o Google Maps aponta que o caminho segue noutra direcção (isto porque existe aquele mito que reza que as mulheres a lerem mapas são péssimas!).

Por isso, e porque em Portugal ser mulher em 2014 não foi afinal nada mau, gostava de deixar aqui os meus vivas para todas as que deram o corpo ao manifesto de forma literal ou figurada.

Isto foi só um começo. Ainda há muito trabalho pela frente. É muito importante saber que não interessa quantas barbearias com entrada vetada a mulheres abram, porque continuaremos a seguir a estrada da igualdade. 

IN "SOL"
02/01/14

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