04/01/2015

DANIEL OLIVEIRA






  

Mudar em segurança 

A chantagem não é como a mentira: funciona pouco tempo com toda a gente e todo o tempo com pouca gente. A Grécia está de novo em crise e de novo sob chantagem externa. O ministro das Finanças alemão e o seu comissário europeu já começaram a campanha de ameaças para condicionar o voto. Não sei se mais uma vez resultará. Sei que o primeiro-ministro grego usa o mesmo argumento de Passos Coelho - os sacrifícios terão sido em vão se não se levar o saque até ás últimas consequências. Os defensores da austeridade nem tentam mobilizar. Basta-lhes a desmobilização pelo medo. 

 Ao contrário dos que, à esquerda, pensam que mais não se pode fazer do que gerir os danos desta crise, Alexis Tsipras propõe uma rutura com a lógica da austeridade. Mas, tal como Pablo Iglesias, Tsipras rapidamente percebeu que o povo não quer ver a cidade a arder. Não sonha construir sobre as ruínas do mundo velho uma nova sociedade. Este é um momento de defesa de direitos fundamentais, de resistência ao assalto dos que usam os Estados para recuperar o que perderam no jogo e de reinvenção das democracias nacionais e europeia. 

Na Grécia, o Syriza, em vez de se apresentar como uma vanguarda revolucionária, adapta o seu discurso aos temores mais do que razoáveis dos gregos, prometendo renegociar com vigor a dívida no plano europeu. Em Espanha, o Podemos apresenta um programa económico social-democrata, sendo muito cuidadoso na forma como fala do euro e da Europa.

O radicalismo democrático associa-se a uma crescente moderação programática. Syriza e Podemos percebem duas coisas: que é agora, e não esperando por um eterno acumular de forças na oposçião, que podem franquear as portas do poder e que só o conseguirão fazer se transmitirem segurança aos cidadãos, com pouca vontade de perderem o que lhes sobrou desta razia. Em Portugal, como noutros países, há movimentos de esquerda que acreditaram que este é o momento para radicalizar o discurso económico. 

Pelo contrário, este é o tempo de começar a ocupar o espaço deixado vazio pelos partidos socialistas e social-democratas. E cada um terá de o fazer á sua maneira e nas condições nacionais que encontra. Já o escrevi várias vezes: esta crise financeira foi a queda do Muro de Berlim da social-democracia, sem alternativa á globalização desregulada e á austeridade. Estamos a assistir a uma recomposição da esquerda. Poderá ser interna ou externa aos partidos socialistas e social-democratas. Ou as duas coisas em simultãneo. Ou primeiro uma e depois outra. Mas, na decadente Europa deste início de século, o papel da esquerda não será o de propor uma sociedade nova. Será o de defender muitos adquiridos civilizacionais da sociedade antiga, que garantiram décadas de prosperidade e bem-estar aos trabalhadores, e de reinventar a democracia e o Estado social num mundo globalizado. O que exigirá muita imaginação e arrojo.  

Não chegará lá quem prometer mais tempestade e perigo. Pelo contráírio. A sensação de insegurança apenas favorecerá o discurso da chantagem. Chegará lá quem, contra a precariedade de milhões de cidadãos descartáveis, oferecer uma mudança com a garantia de mínimos de segurança. Não é fácil. Não é revolucionário. É o que dá esperança porque é o que pode ser. 

IN "EXPRESSO"
03/01/15


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