17/01/2015

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HOJE NO
"i"

Roubos, processos, privacidade. 
Perigos que corre no Facebook 

É uma foto inocente ou um comentário entre amigos, mas pode ser muito mais 

Maria da Conceição publicou uma foto no Facebook. Uma foto! E nem sequer era dela. Era uma imagem, encontrada algures na internet, de uma mulher sentada numa pilha de malas pronta a partir. "Estou no aeroporto de Lisboa a viajar para a Suíça" - a frase acompanhava a imagem. Resultado? Maria, beneficiária do rendimento social de inserção, que nunca saiu de Portugal, perdeu o apoio do Estado alegadamente por "ausência do país". Prova de que, em matéria de redes sociais, o utilizador pode ser o seu próprio inimigo. "As pessoas usam o Facebook, mas só quando têm algum problema é que se preocupam com o conteúdo daquilo que publicam", refere Gustavo Cardoso, professor do ISCTE. 

A publicação (ou post) era dirigida aos amigos, uma mera piada antes de Maria ser sujeita a uma intervenção cirúrgica. O significado era inocente: ia ficar afastada da existência digital por uns dias. Acabou mal, mesmo depois de a técnica da Segurança Social encarregada do seu processo (e sua "amiga" virtual) ter feito um "gosto" na publicação. Os timings coincidem, ainda que a Segurança Social garanta que a decisão de retirar o apoio em nada teve a ver com a publicação. 

Há muitos anos que Tito de Morais se dedica a sensibilizar a sociedade para os perigos da internet. O conferencista recorre à imagem do "contexto" para mostrar que no dia-a-dia estamos habituados a relacionar-nos com um número reduzido de pessoas num ambiente mais familiar. Esse simples facto torna presentes as barreiras de que precisamos para moldarmos comportamentos. "Se entramos numa igreja, não agimos da mesma forma que faríamos se estivéssemos num concerto de rock", ilustra. 

"Mas na internet não existe esse contexto." O Facebook já cá anda há algum tempo - mais precisamente, há dez anos. E neste período aquela que é já a maior rede social do mundo tem vindo a dedicar mais atenção às necessidades de reserva dos utilizadores, aumentando as ferramentas que permitem gerir a privacidade das publicações. Ainda assim, "a esmagadora maioria dos utilizadores não faz uso dessas ferramentas", sublinha Tito de Morais. A forma como o próprio Facebook está concebido também contribui para a "impulsividade" da publicação. "Um dos principais objectivos desta ferramenta é levar as pessoas a partilhar o máximo de informação possível, para gerar meta-dados que actuem em benefício da própria empresa", refere Gustavo Cardoso. A isto soma-se o facto de uma grande percentagem de utilizadores da rede social ser bastante jovem (quase 40% têm menos de 34 anos). 

Em teoria, "os utilizadores do Facebook têm um nível de escolaridade mais elevada e à partida terão as competências necessárias" para se proteger dos riscos. Mas não é menos verdade que o Facebook conta muito com o factor passividade. Porque se os utilizadores não definirem o que querem e não querem mostrar ao seu universo de contactos - e ao universo de contactos de todos os seus amigos da rede social (sim, é mesmo muita gente) -, cada publicação é lançada sem barreiras. E passa a ser de todos. Sem limites. "Basta clicar num botão para partilharmos, e isso tira-nos tempo de reflexão", diz Tito de Morais. 

MONTRA DE RISCOS 
Teste rápido: tem conta de Facebook? Vá à "pesquisa de pessoas, locais e coisas". Agora pense num nome próprio e num apelido, de forma aleatória, e escreva-os aí. O mais provável é que no perfil de algumas das opções que surgiram (se não em muitas) possa encontrar no mural as fotos do casamento do melhor amigo ou do final de Verão de 2014, o beijinho de saudades de uma tia ou a piada de um colega de trabalho no espaço de comentários dessa pessoa que não conhece. Está lá tudo, para quem quiser ver. 

"As pessoas continuam a preocupar-se com o que é privado e o que é público, mas não têm uma total consciência de onde está a fronteira", diz Gustavo Cardoso. Por isso a regra é simples: "Não publicar nada que não pudesse ser publicado nestas páginas do i", resume. Mais que o risco de ser visto por quem não quer a fazer o que não gostaria que outros tivessem visto, há perigos reais com que contar. 

"A PSP alerta frequentemente para a 'maleita' que nos leva a difundir nas redes sociais imagens, estados de alma e locais que, por passarem para o domínio público, nos fragilizam enquanto hipotéticos alvos de um assalto", diz o subintendente Paulo Flor. Algo tão banal como a publicação de uma foto que as pessoas "tiram nas suas casas, nos seus carros e nas suas férias" pode "virar-se contra elas próprias". Há verdadeiros "ladrões" à espreita para "orientarem os seus alvos", alerta. 

As crianças são outro alvo fácil. "Somos muito pragmáticos a avisar pais e familiares de crianças, desincentivando que publiquem imagens de crianças", porque o que é publicado na internet não volta a desaparecer, diz Paulo Flor. Tito de Morais lança um palavrão para a mesa: "sharenting", uma mistura entre parenting e sharing (algo como cuidar dos filhos e partilhar). 

"Os pais não têm noção de que estão a criar uma pegada digital dos filhos sem que estes sejam tidos nem achados", sublinha. 

* Livre-se do Facebook, se ainda puder.


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