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Um ano novo
A entrada num novo ano comemora-se de muitas e bizarras formas por esse
Mundo fora. São tradições que têm, quase sempre, um objetivo comum. O de
formular os melhores desejos para os 12 meses que se aproximam, na
tentativa de esquecer os que estão a terminar. Algo que os portugueses
não desprezariam por muitas uvas-passas que comam à passagem das 12
badaladas.
Na Argentina a tradição é outra. Acredita-se que usar lingerie
nova e cor-de-rosa na passagem do ano dá sorte no amor. Na velha Itália o
costume é idêntico, mas o mito do macho latino manda que se ofereça
roupa interior vermelha às mulheres. Já no Brasil, país que em termos
latinidade, chamemos-lhe assim, nada fica a dever aos transalpinos, usar
branco por fora é condição. Para afugentar os maus espíritos.
Nos
nossos antípodas, o costume faria corar de vergonha uma manifestação de
luso-indignados, uma vez que na Nova Zelândia se celebra cada ano a
bater em panelas e frigideiras com mais ruído do que se estivéssemos na
escadaria da Assembleia da República. Em França - o país outrora
elegante que deu o nome ao "réveillon" - come-se simplesmente bem e
bebe-se champanhe. Este ano talvez alguns franceses se lembrem da má
sorte de terem um François Hollande a viver no Palácio do Eliseu. Sem o
falido glamour gaulês, no Chile há quem coma uma colher de lentilhas
esperando, dessa peculiar forma, que o novo ano possa trazer trabalho e
dinheiro. São vícios que, de tão enraizados, se torna difícil abandonar.
Há, no entanto, um lugar onde, em vez de se formularem desejos
para o ano que vem, se assinala prudentemente o que passou. Acontece na
remota aldeia de Portmagee, na Irlanda, mas não era mau que também fosse
tradição entre nós. Pelo menos este ano. E a referência geográfica é
obra do acaso, sem qualquer intenção assistencial.
Olhar para trás
seria bom para não nos esquecermos do ano que agora termina e que
marcará para sempre Portugal. Foi um ano irrevogável. E também aquele em
que o desemprego cresceu de forma dramática. Um período marcado pelas
machadadas na Função Pública e pelo êxodo migratório da nossa juventude
mais qualificada.
Por muito que Pedro Passos Coelho chegue ao
final de 2013 a lembrar que 2014 será um ano "cheio de desafios" em que
"há muito para fazer", não devemos deixar de olhar para o rasto de
desespero social que vivemos até agora. A euforia dos últimos dias, com o
comércio a vangloriar-se pelo encaixe de vendas, e o final de dezembro a
ser marcado por uma histérica corrida aos saldos não nos deve iludir. A
crise ainda está aí para durar. Os mais céticos podem inspirar-se, de
novo, na Irlanda e cumprir a tradição de mergulhar nus nas águas gélidas
do Atlântico. Para nós até seria mais fácil. Enquanto os irlandeses
precisam de despir a roupa toda, os portugueses só têm de tirar a tanga.
Um bom mergulho em 2014.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
30/12/13
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