28/12/2014

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ESTA SEMANA NA
"SÁBADO"

A primeira inspectora da Judiciária

Foi uma sucessão de acasos. No início de 1974, Maria Leontina Trigo Fernandes tinha tudo preparado para se tornar jurista da Direcção-Geral de Veterinária. Concorreu ao lugar no fim do curso de Direito e disseram-lhe que as perspectivas de ser escolhida eram boas. "Mas depois veio o 25 de Abril e mudou tudo", recorda à SÁBADO, sentada no sofá da sala de sua casa, em Lisboa. A segurança que tinha no futuro, para si e para os filhos gémeos, nascidos enquanto tirava o curso e o marido cumpria o serviço militar obrigatório na Guiné-Bissau, desapareceu. "Até que um dia, tinha ido almoçar à cantina da universidade quando um rapaz me disse: ‘Vai ao Diário da República porque acabou de sair a possibilidade de as mulheres concorrerem à magistratura e à Judiciária.’"
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Nunca tinha pensado em ser polícia, nem sequer magistrada. Era uma carreira até então vedada às mulheres. Mas não hesitou: "Concorri às duas." Acabou por ser nomeada para a magistratura e colocada no tribunal da comarca de Vila Flor, em Trás-os-Montes. Pelo mesmo despacho, a até há pouco tempo directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Cândida Almeida, foi colocada em Grândola.

Reuniu-se com uma directora do Ministério da Justiça para saber se a casa dos magistrados tinha condições para os filhos. "Foi quando ela me disse: ‘Olhe, acabou de ser nomeada para a polícia’", conta. As funções eram semelhantes. Na época, os inspectores (os actuais coordenadores), além de dirigirem as respectivas secções e distribuírem trabalho pelos agentes (os actuais inspectores), tinham também tarefas de Ministério Público: decidiam pelo arquivamento ou acusação dos processos. "Como ficava em Lisboa e o ordenado era melhor, optei pela polícia", diz.

Inspectores com pudor
A 2 de Setembro de 1974 tomou posse como a primeira mulher na investigação da Polícia Judiciária (PJ). "Uma senhora levou-me ao gabinete do subdirector de Lisboa. Estavam lá nove homens, de fato e gravata, num semicírculo e eu de vestido curto, por cima do joelho", ri-se. "Ele fez um discurso sério, que aquela era uma profissão muito exigente e importante, não por causa da função mas porque o nosso comportamento influencia a instituição", lembra, emocionada.

Foi colocada nos homicídios. Nunca tinha visto um processo. "Fiquei ao lado do outro inspector e fui vendo o que ele fazia", recorda. Na época, não notou qualquer animosidade por parte dos colegas. "Mais tarde soube que tinha havido um grande reboliço quando saiu o decreto e quando fui admitida, com protestos e reuniões gerais de trabalhadores", diz. "No entanto notei que havia muita gente a ir ao gabinete. Só depois é que percebi que iam lá cuscar [risos]. Mas nunca fui discriminada por ser mulher."

Ao fim de um mês foi dirigir a 4ª secção, onde ia parar tudo o que não coubesse nos homicídios, furtos ou burlas ou novos crimes como as ocupações de casas. "Havia imensos processos de pornografia porque apareceram uma série de revistas que até então eram proibidas. Se alguém se queixava lá tínhamos que ir e distinguir se era pornográfico ou erótico. Nesses e noutros casos, como os de estupro, onde havia uma descrição do acto sexual, notava que alguns agentes tinham um certo pudor comigo."

Acabou por passar pela secção das burlas antes de, em 1987, ser convidada para subdirectora da PJ de Lisboa – mais uma vez, a primeira mulher a ocupar o cargo. "Era competentíssima", recorda à SÁBADO o também ex-subdirector da PJ de Lisboa Artur Pereira. "Lembro-me de ser estagiário e de ela nos tratar como iguais", continua. Já o inspector João de Sousa recorda uma mulher "muito competente, simpática, conhecedora e com grande disponibilidade".

Em 32 anos, o pior momento terá sido o do processo Casa Pia. Este é o único tema que lhe tira o sorriso. "Não toco nesse assunto", afirma. O desgaste do caso foi tal que a levou mesmo a querer sair da polícia. Foi em 2006, era subdirectora há 19 anos.

* Corajosa


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