HOJE NO
"i"
"i"
Mesmo na prisão, a vida é mais confortável
.para quem tem dinheiro ou poder
A lei trata os reclusos da mesma maneira, mas a vida na cadeia é mais confortável para quem, cá fora, tem dinheiro, poder ou status social. Especialistas explicam como os ricos têm acesso a melhores condições
A lei é igual para todos e não admite excepções. Mas, na prisão, a
vida é mais confortável para os reclusos que, cá fora, têm dinheiro ou
poder. A cadeia, explica o professor de História do Direito Miguel
Romão, é um “prolongamento” das desigualdades que existem na sociedade e
um recluso que tenha suporte familiar, um círculo de amizades,
influência ou dinheiro terá uma vida mais fácil atrás das grades.
.
A começar pelas visitas. Um preso integrado socialmente é mais visitado do que um recluso proveniente de um estrato social inferior. “Os familiares de detidos com menos posses, muitas vezes, não têm dinheiro para poder deslocar-se à cadeia”, exemplifica o psicólogo forense Rui Abrunhosa Gonçalves, que trabalha há anos com reclusos. Pode parecer um detalhe, mas as visitas são importantes para o bem-estar e o equilíbrio de quem está detido. “Ajudam o recluso a alimentar o sentimento de que não morreu cá fora”, acrescenta Miguel Romão. Recebendo mais visitas, um recluso com dinheiro terá maiores possibilidades de acesso a objectos pessoais e bens alimentares, levados pela família e amigos. “O que parece uma discriminação não é mais do que a organização das cadeias. Presos com mais posses económicas têm acesso a bens que outros reclusos não têm, como televisão, livros ou determinados bens alimentares”, acrescenta o especialista.
O regulamento das prisões mudou há cerca de dois anos e deixou de ser permitida a entrada de produtos como tabaco – que os presos têm agora de comprar dentro dos estabelecimentos prisionais. Mas o grau de controlo tem servido, garante o presidente do sindicato dos guardas prisionais, para aumentar ainda mais o fosso entre ricos e pobres. Jorge Alves explica que agora só quem tem dinheiro pode ter acesso a cigarros ou bens alimentares como cereais de marca, salsichas ou latas de atum. Culpa das restrições, o tabaco tem vindo a assumir-se, cada vez mais, como “uma importante moeda de troca”. Além disso, os reclusos deixaram de usar uniformes. Por isso, os presos mais endinheirados têm roupas melhores e mais quentes – igualmente providenciadas pelas famílias.
A segurança Numa mesma cadeia juntam-se histórias, contextos sociais e percursos de vida distintos. E o sistema, acredita Miguel Romão, “procura adaptar--se às características de cada recluso”. Até por uma questão de segurança das próprias cadeias. Não é à toa que os presos considerados mais perigosos são isolados ou que há cadeias especiais – como aquela em que José Sócrates está detido, reservada a elementos das forças de segurança.
Os presos com mais dinheiro podem inspirar maiores cuidados no que à segurança diz respeito. Dentro das cadeias há hierarquias estabelecidas entre os reclusos. Os violadores e pedófilos ocupam os lugares mais baixos e são, frequentemente, alvo de agressões. E os condenados por crimes de colarinho branco, explica Rui Abrunhosa Gonçalves, vêm logo a seguir. “Os outros presos consideram que estão detidos porque a sociedade não lhes deu uma oportunidade e não vêem com bons olhos a chegada de pessoas que foram poderosas cá fora”, explica. O quotidiano destes reclusos acaba, assim, por ser diferente: raramente são colocados em celas comuns, por exemplo. Jorge Alves acrescenta, porém, que ter dinheiro pode ser sinónimo de mais segurança. “Há casos em que os reclusos mais violentos se oferecem para fazer segurança privada aos detidos com mais dinheiro, na expectativa de ganhar alguma coisa com isso, e alguns até têm quem lhes limpe a cela e faça recados”, conta o guarda prisional.
Ainda assim, a adaptação à vida da cadeia é sempre mais difícil para um preso com status social ou dinheiro. “Um recluso que tenha vivido numa subcultura de violência adapta-se melhor às adversidades da vida em reclusão”, garante o psicólogo forense.
As profissões na cadeia Porém, os presos com mais dinheiro e escolaridade acabam por ser poupados e destacam--se quase sempre na hora da distribuição de tarefas dentro das cadeias. A psicóloga Sofia Gomes constatou, numa tese de mestrado apresentada no ISPA em 2012 sobre “A pessoa reclusa em contexto prisional”, que a maioria dos reclusos portugueses vem “de classes sociais desfavorecidas” e apresentam características como “escassa escolarização, alto índice de fracasso escolar, deficiente qualificação profissional e ausência de hábitos laborais”. De uma maneira geral, a maioria dos presos foram trabalhadores não qualificados e manifestam “modos de pensar e agir determinados pelas vicissitudes culturais e económicas próprias dessas camadas sociais”.
Por isso, a um preso que tenha habilitações superiores são dadas tarefas diferentes. “Um detido que tenha sido professor acaba muitas vezes a dar aulas aos outros reclusos ou a trabalhar na biblioteca”, exemplifica Miguel Romão. Rui Abrunhosa Gonçalves concorda e sublinha que, por norma, os presos de colarinho branco ficam “a salvo” de trabalhos mais pesados. Já os reclusos sem posses acabam frequentemente como faxineiros. Jorge Alves acrescenta que os ricos são privilegiados até no que toca à reinserção social: “Os técnicos dão mais atenção e maior acompanhamento aos detidos com mais dinheiro, porque acreditam que têm maiores hipóteses de a reinserção funcionar.”
Até à década de 1950, o sistema prisional previa o pagamento de taxas para o acesso a melhores condições dentro das cadeias. Passaram mais de 60 anos e a troca de dinheiro foi abolida – ainda durante o Estado Novo. No entanto, no mundo das prisões, ricos e pobres continuam a ter tratamentos diferentes.
* Uma enorme injustiça o exercício da justiça nas cadeias portuguesas.
.
A começar pelas visitas. Um preso integrado socialmente é mais visitado do que um recluso proveniente de um estrato social inferior. “Os familiares de detidos com menos posses, muitas vezes, não têm dinheiro para poder deslocar-se à cadeia”, exemplifica o psicólogo forense Rui Abrunhosa Gonçalves, que trabalha há anos com reclusos. Pode parecer um detalhe, mas as visitas são importantes para o bem-estar e o equilíbrio de quem está detido. “Ajudam o recluso a alimentar o sentimento de que não morreu cá fora”, acrescenta Miguel Romão. Recebendo mais visitas, um recluso com dinheiro terá maiores possibilidades de acesso a objectos pessoais e bens alimentares, levados pela família e amigos. “O que parece uma discriminação não é mais do que a organização das cadeias. Presos com mais posses económicas têm acesso a bens que outros reclusos não têm, como televisão, livros ou determinados bens alimentares”, acrescenta o especialista.
O regulamento das prisões mudou há cerca de dois anos e deixou de ser permitida a entrada de produtos como tabaco – que os presos têm agora de comprar dentro dos estabelecimentos prisionais. Mas o grau de controlo tem servido, garante o presidente do sindicato dos guardas prisionais, para aumentar ainda mais o fosso entre ricos e pobres. Jorge Alves explica que agora só quem tem dinheiro pode ter acesso a cigarros ou bens alimentares como cereais de marca, salsichas ou latas de atum. Culpa das restrições, o tabaco tem vindo a assumir-se, cada vez mais, como “uma importante moeda de troca”. Além disso, os reclusos deixaram de usar uniformes. Por isso, os presos mais endinheirados têm roupas melhores e mais quentes – igualmente providenciadas pelas famílias.
A segurança Numa mesma cadeia juntam-se histórias, contextos sociais e percursos de vida distintos. E o sistema, acredita Miguel Romão, “procura adaptar--se às características de cada recluso”. Até por uma questão de segurança das próprias cadeias. Não é à toa que os presos considerados mais perigosos são isolados ou que há cadeias especiais – como aquela em que José Sócrates está detido, reservada a elementos das forças de segurança.
Os presos com mais dinheiro podem inspirar maiores cuidados no que à segurança diz respeito. Dentro das cadeias há hierarquias estabelecidas entre os reclusos. Os violadores e pedófilos ocupam os lugares mais baixos e são, frequentemente, alvo de agressões. E os condenados por crimes de colarinho branco, explica Rui Abrunhosa Gonçalves, vêm logo a seguir. “Os outros presos consideram que estão detidos porque a sociedade não lhes deu uma oportunidade e não vêem com bons olhos a chegada de pessoas que foram poderosas cá fora”, explica. O quotidiano destes reclusos acaba, assim, por ser diferente: raramente são colocados em celas comuns, por exemplo. Jorge Alves acrescenta, porém, que ter dinheiro pode ser sinónimo de mais segurança. “Há casos em que os reclusos mais violentos se oferecem para fazer segurança privada aos detidos com mais dinheiro, na expectativa de ganhar alguma coisa com isso, e alguns até têm quem lhes limpe a cela e faça recados”, conta o guarda prisional.
Ainda assim, a adaptação à vida da cadeia é sempre mais difícil para um preso com status social ou dinheiro. “Um recluso que tenha vivido numa subcultura de violência adapta-se melhor às adversidades da vida em reclusão”, garante o psicólogo forense.
As profissões na cadeia Porém, os presos com mais dinheiro e escolaridade acabam por ser poupados e destacam--se quase sempre na hora da distribuição de tarefas dentro das cadeias. A psicóloga Sofia Gomes constatou, numa tese de mestrado apresentada no ISPA em 2012 sobre “A pessoa reclusa em contexto prisional”, que a maioria dos reclusos portugueses vem “de classes sociais desfavorecidas” e apresentam características como “escassa escolarização, alto índice de fracasso escolar, deficiente qualificação profissional e ausência de hábitos laborais”. De uma maneira geral, a maioria dos presos foram trabalhadores não qualificados e manifestam “modos de pensar e agir determinados pelas vicissitudes culturais e económicas próprias dessas camadas sociais”.
Por isso, a um preso que tenha habilitações superiores são dadas tarefas diferentes. “Um detido que tenha sido professor acaba muitas vezes a dar aulas aos outros reclusos ou a trabalhar na biblioteca”, exemplifica Miguel Romão. Rui Abrunhosa Gonçalves concorda e sublinha que, por norma, os presos de colarinho branco ficam “a salvo” de trabalhos mais pesados. Já os reclusos sem posses acabam frequentemente como faxineiros. Jorge Alves acrescenta que os ricos são privilegiados até no que toca à reinserção social: “Os técnicos dão mais atenção e maior acompanhamento aos detidos com mais dinheiro, porque acreditam que têm maiores hipóteses de a reinserção funcionar.”
Até à década de 1950, o sistema prisional previa o pagamento de taxas para o acesso a melhores condições dentro das cadeias. Passaram mais de 60 anos e a troca de dinheiro foi abolida – ainda durante o Estado Novo. No entanto, no mundo das prisões, ricos e pobres continuam a ter tratamentos diferentes.
* Uma enorme injustiça o exercício da justiça nas cadeias portuguesas.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário