17/11/2014

JOSÉ EDUARDO MARTINS

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A quadratura do círculo

Nada melhor para evitar o presente que fazer sonhar com o futuro. Se sempre funcionou no passado com os Estados Gerais, as Convenções e as paixões de Guterres e Sócrates também há-de funcionar agora

Se é verdade que a história se repete, talvez haja poucos sítios onde repita tanto como por cá.

Em 1890, na revista de Portugal, Eça de Queiroz, feito espectador, escrevia que, depois do ultimatum: "… se pode supor, que a nação enfim desperta do seu sono ou indiferença, pronta a retomar a posse de si mesma, e certa de que a vida que vinha levando nos últimos vinte anos a votava irrevogavelmente às humilhações e aos desastres, decidira, num ingente esforço de vontade começar uma vida nova…"

Era assim que estávamos quando nos caiu em cima a terceira bancarrota da democracia. Só que:

"… a ilusão breve se sumiu pelos ares… mas se o ultimatum não logrou produzir um movimento que viesse trazer transformações essenciais à nossa vida administrativa e económica… as manifestações tumultuárias que o acompanharam, vieram alterar o equilíbrio dos elementos regulares com que a política jogava, fazendo nela aparecer elementos novos, novos factores com que é forçoso doravante contar, e que, coisa estranha!, fazem o Portugal de 1890, politicamente diferente do Portugal de 1889."

E aqui estamos, três anos depois dos sacrifícios que a memória curta alcandorou a patamares de sacrifício que "obrigavam" à dita mudança.

Vinham aí as "reformas". E, como de costume, pagámos os impostos… As reformas, descobrem todos os Calistos à chegada, são coisa mesmo difícil.

António Costa, que tem a seu favor umas mãos politicamente calejadas, sabe-o bem e sabe o que aí vem.

Sabe que precisa de criar a ilusão de que a mudança depende mais dele do que alguma vez acontecerá ao mesmo tempo que se compromete com cada vez menos, para que a tolerância, cada vez menos elástica, se estenda muito mais que a passadeira que, agora lhe querem pôr à frente.

Daí à "Agenda para década" foi um saltinho. Nada melhor para evitar o presente que fazer sonhar com o futuro. Se sempre funcionou no passado com os Estados Gerais, as Convenções e as paixões de Guterres e Sócrates também há-de funcionar agora…

Sobretudo se acompanhadas de umas proclamações - " se pensarmos como a direita, acabamos a governar como a direita!" - para desarmar - esforço porventura desnecessário -, os movimentos políticos que cá sonhavam poder como o Podemos, mas que se reúnem só para admirar o busto do secretário-geral do PS.

Como o Dr. Costa não pensa como a direita já não precisa de se maçar com os detalhes do dia-a-dia até à chegada do futuro.

Reposição de cortes, aumento "gradual" do salário mínimo, pagamento ou reestruturação da dívida, fiscalidade, sustentabilidade da segurança social? Tudo isso será fácil, pois não pensamos como a direita! De "reformas", nem pio, claro está, se ninguém as conseguiu até hoje…

Para distrair ainda mais, vem o Dr. Santos Silva, com a bravata do costume, a explicar que, são diferentes e por aqui não vai haver Hollandices - enquanto sobre o Tratado Orçamental e a sua revisão, nem pio que a Sr. Merkel já mandou calar tanto socialista que ainda repara neles…

E assim chegamos a 2015, que só parece diferente de 2011 porque já nos esquecemos de 2005. Ou 1995. Com memória de gaivota cá vamos deixando o Dr. Costa fazer a quadratura do círculo para que tudo recomece. Na Câmara, a governar, vai aumentado impostos e taxas. Na oposição é só amanhãs que cantam.

Voltando a Eça: "É a nossa pobreza geral que complica singularmente a nossa vida política". A nossa complacência também ajuda muito, acrescentaria eu em contradição apenas aparente.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
11/11/14



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