02/10/2014

MANUEL MARIA CARRILHO

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Entre o remendo 
e a alternativa

A vitória de António Costa nas "diretas" promovidas pelo Partido Socialista dá-se num momento em que o socialismo democrático enfrenta o maior desafio da sua história. Um desafio que vai decidir o seu destino, ou seja, a sua revitalização ou o seu progressivo desaparecimento.

Perante uma crise do capitalismo como não se via desde os anos trinta do século passado, que já vai no seu sexto ano, a verdade é que o socialismo democrático não conseguiu até hoje esboçar sequer uma alternativa consistente aos problemas que o mundo atual nos coloca. Quando muito sugerem-se nuances e remendos, a reboque do discurso dominante: para o perceber, basta ler o "manifesto" que o Partido Socialista Europeu apresentou às eleições europeias de maio passado.

O que a muitos pareceu poder ser uma estimulante exceção, a vitória de François Hollande em França, em 2012, cedo se dissipou numa cacofonia desarticulada que no último domingo conduziu os socialistas franceses a mais uma derrota, agora nas eleições para o Senado, com a França a resvalar cada vez mais para a direita.

E se olharmos para outras eleições que ocorreram em setembro, na Suécia, na Nova Zelândia ou na Alemanha, os dados vão todos no mesmo sentido: na Suécia, uma referência histórica do socialismo democrático, as eleições de 14 de setembro ditaram um regresso ao poder dos socialistas, é certo, mas com o segundo pior resultado desde 1914, um resultado minoritário que os deixou nas mãos de uma frágil associação com os partidos "burgueses" e com os verdes.

Na Nova Zelândia, a 20 de setembro, o Labour ficou pelos 24,7%, piorando os seus resultados de 2011 e aproximando-se de valores que só conheceu nos anos vinte do século passado. E na Alemanha, nas três eleições regionais realizadas - Saxónia, Turíngia e Brandeburgo -, só no primeiro caso os social-democratas melhoraram ligeiramente os seus resultados, nos outros dois continuaram a baixar os seus valores. O que em todas elas subiu foi a Alternativa para a Alemanha, formação que defende o fim do euro.

Há pois que reconhecer que existe um verdadeiro problema de fundo e não de circunstância com o projeto socialista democrático: negá-lo é desonesto, ignorá-lo é estúpido. Não basta hoje defini-lo pela defesa de tudo aquilo que a globalização veio pôr em causa. Nem colocá-lo como refém de um Estado imaginário que se fragiliza mais a cada dia que passa, de uma soberania que tomou a forma de um lamento nostálgico ou de uma idealizada cidadania europeia que ninguém pratica.

Por sua vez, a ideologia conservadora e liberal, que se tornou cada vez mais liberal e cada vez menos conservadora, não tem este tipo de problemas: basta-lhe a identificação com o "ar dos tempos", com um progresso tecnológico que a todos fascina e com uma modernidade transformada em palavra mágica que tudo resolve.

O problema que se põe hoje ao socialismo democrático é, pois, muito difícil de resolver, sobretudo porque ele se encontra desprovido dos dois elementos que tradicionalmente melhor o definiam: um modelo ideológico coerente, credível e bem diferenciado, mas também um eleitorado fiel e facilmente identificável.
O que aconteceu foi que na última década do século passado se interpretou erradamente a queda do Muro de Berlim e não se percebeu a natureza, o alcance e os efeitos da globalização. Ao mesmo tempo, o socialismo democrático deixou-se manietar pela ilusão de uma construção europeia que, na realidade, se edificou no sentido contrário ao das suas promessas de crescimento, de convergência e de solidariedade. Ilusão sempre "dopada", quando o que ela devia ter sido era bem analisada e substituída a tempo por uma visão realista da Europa.

Ilusão que permanece, tomando agora a forma da miragem que será possível encontrar ao nível europeu a resposta que ninguém vislumbra ao nível nacional. Mas não vai - e, por isso, a questão que honestamente se impõe aos socialistas democráticos é a de saber se não terá sido precisamente a integração europeia, devido às modalidades escolhidas para a sua concretização, um dos fatores que mais conduziram ao bloqueio do seu modelo ideológico e político.

Só com uma nova cultura política - novas ideias, novo vocabulário, novas ambições - é que o socialismo democrático será capaz de contrariar a atual hegemonia da ideologia liberal financista dominante. Sem ela, continuaremos nos remendos, longe de qualquer alternativa real.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
02/10/14


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