03/10/2014

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HOJE NO
"i"

Investigação i. 
Salgado recusou explicar à família os 
14 milhões que recebeu de empreiteiro

Nem presente, nem comissão. Salgado disse aos ramos da família que José Guilherme era assunto do "foro pessoal". Primo do Brasil atacou-o: "Se um director meu receber um presente de um cliente, o que lhe vou dizer?"

Ricardo Salgado costumava referir-se ao Conselho Superior do Grupo Espírito Santo (GES) como o órgão onde "o grupo discute até à exaustão e só quando todos estão de acordo a decisão é tomada". Esse princípio foi esquecido na reunião de 7 de Novembro de 2013. Quando confrontado pelo primo Ricardo Abecassis Espírito Santo com os 14 milhões de euros que recebeu do construtor José Guilherme, Salgado praticamente proibiu os restantes membros da família com assento no Conselho Superior de fazerem perguntas sobre o assunto. O tema, de acordo com a reconstituição feita pelo i, foi encerrado com uma frase-chave: "Esta relação com o José Guilherme é um assunto do foro pessoal." 
 
FAMÍLIA HONRADA
Algum dos presentes na reunião tinha mais dúvidas a esclarecer? Não valia a pena perguntar. "Não aceito mais conversas sobre esta matéria", rematou o então presidente da comissão executiva do BES.
A reunião que viria a terminar com uma moção de confiança à liderança de Ricardo Salgado não teve só os momentos de tensão com o primo José Maria Ricciardi que na altura foram tornados públicos. O maior ataque veio mesmo de Ricardo Abecassis Espírito Santo. O rosto da família Espírito Santo no Brasil e primo em segundo grau de Ricardo Salgado começou por falar de "um desgaste muito grande por parte do grupo" causado pelo líder do BES e por dossiês que este geria. E acabou por se centrar no "desgaste adicional" causado pela história do "presente" de 14 milhões do construtor civil da Amadora. 

 
FAMÍLIA HONRADA
Ricardo Abecassis não acreditava na justificação dada por Ricardo Salgado e fez um ataque directo: "E desculpe-me mas até agora não aceito a justificação que foi dada, acho que não é normal, não posso aceitar que um presidente de um banco receba um presente de um cliente desta magnitude. Isto leva a que todos os funcionários do banco possam receber presentes dos clientes e justificar que são seus amigos." 

Para reforçar a ideia de que a história - revelada pelo semanário "Sol" depois de o i ter avançado que o então líder do BES tinha rectificado 8,5 milhões de euros do IRS de 2011 - dava uma má imagem do grupo, Abecassis contou que até no Brasil lhe perguntavam "se o presidente recebia comissões de clientes": "A mim choca-me. Se amanhã um director meu receber uma comissão ou um presente de um cliente, o que lhe vou dizer? Que não o pode fazer? Não acho que seja razoável. Desculpe-me, Ricardo, gosto muito de você mas acho que isso foi além do que a gente poderia imaginar." 
 
FAMÍLIA HONRADA
Salgado não gostou de ouvir a palavra "comissões". "A opinião pública fala de uma comissão, eu não recebi comissão nenhuma", disse, elevando a voz, segundo testemunhos recolhidos pelo i. Abecassis respondeu de forma irónica: "Está bem, foi um presente." E Salgado voltou a não gostar de ouvir a expressão "presente". "Isto não foi nenhum presente, isto é um assunto que tem a ver com a minha relação pessoal com o José Guilherme. Nunca tive uma sociedade fora do grupo, nunca. [...] Nunca participei em capital de nada, não sou adviser nem conselheiro de ninguém." 

Se aqueles 14 milhões não tinham sido pagos a título de consultoria, por que razão teria José Guilherme, construtor que era também cliente do BES, oferecido um montante tão elevado ao banqueiro? Salgado não esclareceu. 

Para mostrar que a sua idoneidade não estava em causa, Salgado recordou o atestado de inocência do MP e acrescentou que já tinha ido "duas vezes ao Banco de Portugal" e o próprio regulador teria concordado que era "um assunto do foro pessoal". "Não faço as coisas no ar e muni-me dos pareceres necessários para que o assunto ficasse esclarecido." O problema, insistiu, era que os ataques da imprensa vinham "dos jornais de Álvaro Sobrinho", que estariam a ser alimentados com informações "de dentro do próprio grupo". "E não sou só eu que sei disso, o MP sabe disso, que andou a gravar conversas. Portanto é bom não batermos muito nessa tecla." Quando um dos membros presentes perguntou ao então presidente do BES se podia "esclarecer quem foi", Salgado voltou ao mesmo tom: "Não quero esclarecer mais nada." E mais ninguém contestou. 

CONTRADIÇÕES 
A versão que Salgado apresentou aos cinco ramos da família contradiz uma série de dados que foram tornados públicos e até algumas das suas declarações. Recorde-se que, como o i avançou a 17 de Janeiro de 2013, Salgado não tinha declarado 8,5 milhões de euros dos seus rendimentos às Finanças, razão pela qual tinha feito nos últimos meses três rectificações fiscais da sua declaração de IRS de 2011. A segunda das três emendas feitas fora de prazo tinha por base a declaração de um rendimento total de 8,5 milhões de euros de rendimentos obtidos em Angola. 
 
AMIGO HONRADO
A alegada fuga ao fisco - que ficou regularizada quando o banqueiro, no final de 2012, aproveitou o terceiro Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT) - levou Ricardo Salgado a ser ouvido como testemunha no DCIAP, o departamento do Ministério Público que investiga o Caso Monte Branco, no dia 19 de Dezembro de 2012, como o i também avançou à data. A 18 de Janeiro de 2013, o DCIAP apresentava o seu atestado de inocência. "Em face das declarações fiscais conhecidas nos autos, não existem, com referência aos indícios até agora recolhidos, fundamentos para imputar ao requerente a prática de qualquer ilícito de natureza fiscal", afirmava o despacho assinado pelo procurador Rosário Teixeira. 

A 30 de Janeiro, Salgado fez as primeiras declarações públicas sobre a origem daqueles rendimentos. Numa entrevista ao "Jornal de Negócios", o banqueiro explicou que o dinheiro em causa tinha sido "ganho no estrangeiro" durante os 17 anos em que trabalhou fora do país, mas não especificou onde. 

Salgado desmentiu sempre que aqueles valores resultassem de comissões recebidas em Angola, mas em Setembro uma notícia do semanário "Sol" voltaria a ligar os valores àquele país africano. Segundo aquele jornal, o empreiteiro José Guilherme teria pago em 2011 8,5 milhões de euros a Salgado por serviços de consultoria e assessoria aos seus negócios em Angola no ramo da construção civil. Esse dinheiro teria sido transferido de uma offshore do construtor para outra de Ricardo Salgado com sede no Panamá, a Savoices. O rasto dessa transferência tinha sido detectado na documentação apreendida à Akoya Asset Management, no decorrer da investigação do Monte Branco. 

Já em Julho, o "Jornal de Negócios" viria a revelar qual tinha sido a justificação apresentada pelo banqueiro junto do Banco de Portugal e do DCIAP. Resumiu-se a uma palavra, "liberalidade", o que juridicamente representa "um acto de carácter espontâneo e a título gratuito que venha a favorecer ou a beneficiar economicamente alguém". Salgado teria recebido uma oferta do construtor no valor de 14 milhões de euros. Tudo, contou, porque quando José Guilherme pensou expandir os seus negócios para o Leste da Europa Salgado terá feito uma proposta melhor: o construtor deveria antes ir para Angola. 

* Há menos de um ano um puto ia sendo preso por tentar roubar duas pizzas...
Ricardo Salgado anda muito caladinho, está a preparar-se para dar a volta ao Ministério Público, quem ganha balúrdios é o defensor dos oprimidos Proença de Carvalho.


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