29/10/2014

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HOJE NO
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Espírito Santo usou uma sociedade suíça para tirar 800 milhões de euros do BES

No conselho superior, Ricciardi descreveu o esquema com a Eurofin como uma “fraude”. Salgado admitiu que o presidente daquela sociedade suíça tinha feito “um jeitão ao grupo”

Durante as reuniões do Conselho Superior do Grupo Espírito Santo (GES), Ricardo Salgado confessou que a sociedade suíça especializada em serviços financeiros Eurofin Securiti tinha comprado obrigações do banco e que Alexandre Cadosch, presidente da sociedade, fazia “um jeitão ao grupo em várias áreas”. José Maria Ricciardi acabaria, mais tarde, por referir-se ao esquema como uma “fraude” que acabaria por causar “um prejuízo brutal no BES” e precipitar a intervenção do Estado no banco. De acordo com informações recolhidas pelo i, o Departamento Financeiro de Mercados e Estudos do Banco Espírito Santo (BES) – controlado pelo administrador Amílcar Morais Pires e pela directora financeira Isabel Almeida – usou em 2014 uma série de sociedades-veículo criadas pela Eurofin – mas que se suspeita serem controladas pelo BES – numa operação que visou retirar 800 milhões de euros do banco para pagar dívida do grupo. 


O i não conseguiu contactar Morais Pires e Isabel Almeida. Ricardo Salgado não respondeu às perguntas enviadas por email. 

A história da alegada fraude conta-se num esquema triangular. Primeiro, o BES emite obrigações cupão zero a 40 anos. As obrigações cupão-zero não têm um juro associado – o juro está incluído na diferença entre o preço da emissão e o valor do reembolso –, o que neste caso, e atendendo ao prazo de maturidade, fazia com que tivessem um juro implícito de 7%. Essas obrigações chegam depois a clientes do BES com gestão discricionária de carteiras, através de quatro sociedades veículo usadas pela Eurofin, mas desta vez a um preço mais baixo: neste momento a taxa passa a ser de 4%. Entre um momento e outro, a operação terá gerado mais valias que terão servido para abater dívida de holdings do GES. Mas nesta altura o que era lucro para o grupo era, na verdade, prejuízo contabilístico para o BES. No final, uma última acção do BES transformou essas perdas potenciais em perdas reais para o banco: durante o mês de Julho, quando os Espírito Santo tinham todas as indicações de que iriam ser afastados do banco, o BES desatou a recomprar aqueles instrumentos de dívida. A operação causou um prejuízo enorme que viria a ser detectado nas contas semestrais do banco e que levaria ao colapso do GES. 

Só as relações triangulares entre o BES, o GES e a Eurofin determinaram um registo de perdas nas contas do Banco Espírito Santo no valor total de 1249 milhões de euros.
O “Expresso” descreveu em Agosto um esquema semelhante ao agora revelado pelo i, que terá representado uma perda de 254 milhões para o BES.
Poderia o banco ter emitido dívida directamente junto dos clientes? Poderia. Mas se o fizesse não teria conseguido criar o alegado lucro fictício que durante meses terá servido para diminuir o passivo das holdings do GES. Nem tão pouco conseguiria disfarçar que a sociedade suíça Eurofin seria apenas uma plataforma para ocultar que aqueles rendimentos estavam, afinal, a ser retirados do BES. 


Recorde-se que no âmbito do plano de ring fencing, o Banco de Portugal tinha dado instruções claras no final de 2013 para que o BES não ficasse exposto às dívidas do grupo. 

“Fizeram uma fraude” A 24 de Julho, dia em que Salgado foi detido para um longo interrogatório do juiz Carlos Alexandre, José Maria Ricciardi lançou o tema na reunião de emergência marcada pelo Conselho Superior do Grupo Espírito Santo. No dia em que praticamente todos os elementos da família voltaram as costas a Ricardo Salgado, o primo Ricciardi afirmou: “Hoje soube aí de uns assuntos que já desconfiava. Essa massa toda que veio da Eurofin foi toda introduzida fraudulentamente pelo DFME (Departamento Financeiro de Mercados e Estudos do BES). São uns valores absolutamente astronómicos. A Isabel Almeida parece que confessou. Aquele dinheiro que veio da Eurofin para a conta escrow (conta exigida pelo BdP para o reembolso do papel comercial) parece que é tudo prejuízo do BES. Emissões de obrigações depois recompradas… aquilo é uma conta astronómica. Centenas de milhões de euros que vinham para a escrow account e que era prejuízo do BES.” 

A uns dias da queda oficial do império Espírito Santo, fez-se luz na cabeça de alguns dos elementos da família presentes: “Bem que o BdP quando ia lá estava sempre a perguntar pela Eurofin.” Ricardo Abecassis Espírito Santo, representante dos negócios da família no Brasil, afirmou que “o BES fazia operações que geravam prejuízo” e José Maria Ricciardi assumiu que se tratava de uma fraude: “Aquilo era uma caixa negra. Desde Janeiro deste ano até terem saído fizeram uma fraude. Criaram um prejuízo brutal no BES para fingir que era a Eurofin que pagava dinheiro de volta.” 
 
ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA
Quando, a 3 de Agosto, Carlos Costa apresentou a medida de resolução para o BES, foi posto a nu o esquema que terá permitido ao GES ir abatendo dívida do ramo-não financeiro, violando determinações do Banco de Portugal (BdP). O governador do BdP revelava que, na segunda metade de Julho, os auditores externos tinham identificado “operações de colocação de títulos, envolvendo o Banco Espírito Santo, o Grupo Espírito Santo e a Eurofin Securities, que determinaram um registo de perdas nas contas do Banco Espírito Santo no valor total de 1249 milhões de euros, com referência a 30 de junho de 2014”. 

O “jeitão” de Cadosch Meses antes de a sociedade com sede em Lausanne, na Suíça, ter sido envolvida publicamente no colapso do GES, já alguns elementos da família questionavam as operações entre o GES e a Eurofin. Estas eram tão secretas que alguns Espírito Santo as descreviam como uma “caixa negra”.
A 9 de Dezembro de 2013, as antenas voltaram-se para a Eurofin assim que Joaquim Goes, então administrador do BES, referiu, numa apresentação com previsões sobre as contas do grupo, que estavam à espera nos primeiros meses de 2014 de pelo menos dois reembolsos – no valor de 400 milhões de euros cada – daquela sociedade suíça. 

Ricardo Abecassis Espírito Santo, então líder do BESI Brasil, foi o primeiro a questionar: “Pela apresentação do Joaquim Goes ouvi que há 400 milhões que vêm da Eurofin. A Eurofin para mim é uma caixa preta, nem entendo bem o que é que se passa lá dentro.” Salgado começou por confessar a ligação a Alexandre Cadosch, presidente da Eurofin e ex-quadro do GES: “O sr. Alexandre Cadosch estabeleceu uma organização há muitos anos e há N soluções que houve aqui aqui no banco que passaram pela estrutura do Cadosch.” Abecassis insistiu – “Mas porque é que havemos de ter 400 milhões vindos do Cadosch?” – e Salgado respondeu. “Porque investimos em instrumentos financeiros deles. Isto trata-se da revenda desses instrumentos financeiros.” 

Abecassis, acreditando que os 800 milhões serviriam de facto para amortizar dívida da Espírito Santo International (ESI) e de outras holdings do GES, e partindo do princípio de que o Banco de Portugal obrigava o grupo a reembolsar o quanto antes a dívida emitida em papel comercial no retalho, sugeriu: “Então mas se os 800 puderem entrar já a gente já cobre grande parte do papel comercial.” O então líder do BES disse que não era possível: “Não vem já, vem aos bocados.” Tanto mistério voltou a deixar Abecassis reticente: “Mas a gente não pode saber que tipo de investimentos é que foram feitos?” Salgado remeteu mais esclarecimentos para o administrador Amílcar Morais Pires e para a directora financeira Isabel Almeida. “Não sei explicar em pormenor. Sei que o Cadosch prestava um serviço ao grupo dando parte de alguns activos… E ainda por cima tem lá 5% das acções da Finantial que não podemos mostrar. O sr. Cadosh tem feito um jeitão ao grupo em várias áreas. Mas se quiseres saber da articulação fala com eles.” 

Abecassis manifestou desagrado por estar dentro do Conselho e não poder fazer perguntas: “O Amílcar e a Isabel para mim são do banco, não do grupo.” Salgado saltou em defesa dos seus funcionários: “E têm ajudado muito o grupo. Tu se faz favor chamas o Amílcar e dizes que gostavas de saber mais informações sobre isso. Houve emissões de obrigações do banco que foram compradas, até certa altura funcionou, a partir de certa altura deixou de funcionar. O que me dizem é que isso da Eurofin será reembolsado.” 

Joaquim Goes, que apresentava as previsões das contas aos elementos do Conselho Superior do GES, não tinha dúvidas: “Uma das ameaças do Ettric” – o exercício que passava a pente fino 12 grandes clientes bancários, entre eles a Espírito Santo International – podia ser precisamente a Eurofin. 


As confissões feitas logo em Dezembro de 2013 numa reunião do Conselho Superior do GES mostram que a relação entre o grupo e a Eurofin era antiga e já levantava suspeitas entre alguns elementos da família. O “Wall Street Journal” começou no último Verão a publicar uma série de artigos, com base em emails internos e documentos, que colocam a Eurofin num papel central de apoio às finanças dos Espírito Santo. 

A 5 de Agosto, Alexandre Cadosch negou o envolvimento da Eurofin no colapso do GES, e o “Wall Street Journal” continuou a revelar que a empresa suíça movimentou dinheiro entre entidades do GES “muitas vezes de forma que era difícil pessoas que estavam de fora detectar”. No pico da crise financeira, por exemplo, a Eurofin terá sido o único comprador de obrigações do BES. 

Posteriormente terá ajudado a “empacotar” dívida de várias empresas do GES que foi vendida a clientes do banco. A Eurofin, segundo aquele jornal norte-americano, também terá gerido uma série de fundos de investimento que foram vendidos a clientes do Banque Privée, na Suíça. No início de 2012, as operações terão levantado suspeitas junto do Société Générale que, por essa data, terá parado de servir de intermediário das operações. 

* Ao pé de Salgado,  D. Corleone anda de bibe.



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