14/09/2014

NICOLAU SANTOS









Merkel gosta de Passos.
Lagarde não


 Angela Merkel gosta de Passos Coelho. Não gostava quando ele decidiu derrubar o governo de Sócrates. Mas depois, face ao afã com que o primeiro-ministro português tem feito tudo, em matéria de austeridade, para agradar à chanceler alemã, esta considera-o agora quase germânico. Quem não gosta de Passos ou, pelo menos, o ignora, é Christine Lagarde, a avaliar pelas suas mais recentes afirmações. 

E o que disse a diretora-geral do FMI? Pois bem, que "O único país que progride, apesar de não ser suficiente" para absorver a bolsa de desempregados "é a Espanha", afirmou numa entrevista à emissora francesa "Radio Classique". Ora por favor! Alguém que se chegue junto dela, que lhe dê um puxãozinho no vestido «haute couture» que costuma usar e que bichane qualquer coisa do género ao ouvido: «Dra. Lagarde, olhe que não, olhe que não! A não ser que V.Exa. esteja a reduzir toda a Península Ibérica a Espanha, há um pequeno país junto ao Atlântico que está a fazer muito mais e bem melhor que Espanha em matéria de desemprego…»

Quem já não procura emprego há mais de seis meses também é eliminado das estatísticas. E assim com menos 300 mil emigrados, mais de 170 mil a fazer cursos de formação e mais uns largos milhares que já desistiram de procurar emprego, o desemprego comprime-se, compacta-se, é combatido e esmagado

Seguramente que, surpreendida, Lagarde há-de virar a sua informadíssima cabeça e recorrer à língua materna para exclamar, surpreendida: «Mais non!». E alguém terá de insistir: «sim, sim. É um pequeno país, não conta grande coisa, só tem 10 milhões de habitantes, mas é quem tem conseguido melhores resultados em matéria de desemprego a nível europeu…» Aí, a diretora-geral do FMI há de começar mesmo a interessar-se pelo assunto e quererá novos dados, quantitativos e qualitativos. Quanto aos quantitativos, há de ficar espantada como um Governo que esperava mais de 17% de taxa de desemprego para este ano, já reduziu a sua pessimista previsão para pouco mais de 14%. Ficará, então, interessadíssima em saber como tal foi possível, que reformas foram feitas que deram tais resultados. 

Alguém lhe terá então de explicar – ela seguramente chamará o dr. Vítor Gaspar, que é seu subordinado, para o efeito – como tudo foi feito. E Gaspar, de forma propositadamente lenta para ela perceber bem, dir-lhe-á o seguinte: em primeiro lugar, é preciso subir em 1/3 os impostos e cortar em 2/3 a despesa pública. Num segundo momento, é necessário subir os impostos em 2/3 e em cortar 1/3 na despesa. É também importante deixar disparar o desemprego: quanto mais alto estiver mais fácil será obter reduções. É igualmente importante que se diga ao povo que emigrar é uma grande oportunidade – e esperar que o bom povo perceba, emigrando de forma significativa. «O po-vo per-ce-beu», confirmará o dr. Gaspar. A cereja em cima do bolo é colocar o Instituto de Emprego e Formação Profissional a fazer imensos cursos de formação. Como se sabe (a dra. Lagarde não sabe), quem está a fazer um curso de formação profissional deixa de contar para o desemprego. Quem já não procura emprego há mais de seis meses também é eliminado das estatísticas. E assim com menos 300 mil emigrados, mais de 170 mil a fazer cursos de formação e mais uns largos milhares que já desistiram de procurar emprego, o desemprego comprime-se, compacta-se, é combatido e esmagado, pondo em causa toda a ciência económica que, em Portugal, nunca comprovou que pudesse haver criação líquida de emprego sem um crescimento económico acima de 1,5%. «Com-pre-en-deu, dou-to-ra La-gar-de?», dirá Gaspar no final da douta explicação.

Lagarde abrirá muito os olhos, expressará a sua admiração e pedirá para lhe fazerem uma ligação ao dr. Passos. Em seguida, pedir-lhe-á desculpa e dirá que vai dar uma nova entrevista à Radio Classique para corrigir o que disse. Pensando melhor, dirá ao dr. Passos que vai dar uma entrevista à Radio Moderne. Assim como assim, o tema fica muito melhor aqui, não acha?

IN "EXPRESSO"
08/09/14

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