27/09/2014

ANA GOMES

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A capacidade de
 fazer a diferença 


Nos dez anos da presidência de SBY, a Indonésia deu extraordinários passos na governação democrática. 

Conheci o General Susilo Bambang Yudhoyono em 1999, chegada a Jacarta para chefiar a Secção de Interesses de Portugal.

Tempos difíceis, em que o nosso relacionamento se centrava na autodeterminação de Timor-Leste e a Indonésia vivia o tumulto da própria transição para a democracia, numa nação de 250 milhões, espalhados por 16.000 ilhas e falando mais de 200 dialectos, depois de 32 anos duma ditadura militar que debilitara e empobrecera o país. Foi um privilégio viver aquele "PREC", que tantas vezes me lembrou o nosso e me fez ficar a admirar o povo indonésio.
Desde que ambos acompanhamos a reunião "DARE II" do diálogo intra-timorense, em Junho de 1999, reconheci em Pak SBY (como é conhecido) o líder empenhado na mudança, combinando a argúcia afável do javanês com o sentido de missão do militar.

Foi Ministro dos Assuntos Políticos e da Segurança do Presidente Abdurrahman Wahid (Gusdur) numa fase turbulenta, em que as forças de segurança estavam desacreditadas e o processo de democratização se confrontava com convulsões e ameaças: atentados bombistas em Bali e Jacarta, violência nas Molucas, Celébes, Kalimantan, Papua e Aceh. A descentralização em favor das províncias e consequente redistribuição de recursos económicos não podia deixar de criar novas desigualdades, violações de direitos humanos e corrupção continuavam e emergiam grupos radicais islâmicos. Face a esta quase ingovernabilidade SBY fez a diferença, para encarreirar o processo político e reformar as instituições, incluindo as Forças Armadas, apoiando-se na respiração democrática da vibrante sociedade civil.

A capacidade de fazer a diferença, já eu a intuía em Setembro de 2000: lembro-me de ter escrito isso mesmo num telegrama que mandei a Lisboa, depois de longa conversa, a quente, sobre o assassinato de três funcionários do ACNUR em Atambua (Timor Ocidental). E logo SBY agiu: o chefe das milícias anti-independência seria preso dias depois... 

A partir daí, durante meses, passámos a encontrar-nos aos sábados de manhã no Hotel Indonesia, para gravar conversas a três (com o para mim saudoso Ali Alatas), radiodifundidas para encorajar timorenses a voltar para Timor-Leste.

Não me surpreendi quando se candidatou e ganhou as eleições de 2004, as primeiras por sufrágio universal naquela República de regime presidencial. E quando foi reeleito em 2009.

Mal iniciara o primeiro mandato quando o cruel tsunami, no final de 2004, lhe colocou nas mãos a catástrofe de mais de 100.000 vítimas no Aceh. Corajosamente, abriu o Aceh à ajuda exterior e, assim, abriu também caminho à resolução por via democrática do conflito. E com o novo vizinho, Timor -Leste, empenhou-se pessoalmente na ultrapassagem dos traumas e na construção da amizade e cooperação.

Nos dez anos da sua presidência, a Indonésia deu extraordinários passos na governação democrática, no progresso económico, no prestígio internacional, na segurança regional, demonstrando ao mundo que Islão, democracia e pluralismo religioso, étnico e político não são incompatíveis.

A indecisão que críticos apontam a SBY resultará da sua ponderação, do sentido de justiça e do respeito pela diversidade do seu povo. O Presidente Jokowi, recém-eleito, vai certamente capitalizar a partir da Comissão de Luta contra a Corrupção, criada por SBY. A cultura democrática, que ele ajudou a enraizar, abre hoje incríveis oportunidades às gerações mais jovens.

Desde que nos cruzámos, Pak SBY mostrou particular empenho na recuperação das ligações com o nosso país. Interessava-se pelos traços da herança portuguesa na cultura indonésia, foi parceiro crucial na resolução do problema de Timor-Leste e no restabelecimento e desenvolvimento das relações com Portugal. 

Não é por acaso que encerra os seus dez anos de presidência da Indonésia com esta visita: é com especiais emoção e apreço que me associo a desejar-lhe Selamat Datang a Portugal.


Eurodeputada do PS, ex-embaixadora de Portugal na Indonésia (1999/2003)


IN "PÚBLICO"
19/09/14


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