A capacidade de
fazer a diferença
Nos dez anos da presidência de SBY, a Indonésia deu extraordinários passos na governação democrática.
Conheci o General Susilo Bambang Yudhoyono em 1999, chegada a Jacarta para chefiar a Secção de Interesses de Portugal.
Tempos difíceis, em que o nosso relacionamento
se centrava na autodeterminação de Timor-Leste e a Indonésia vivia o
tumulto da própria transição para a democracia, numa nação de 250
milhões, espalhados por 16.000 ilhas e falando mais de 200 dialectos,
depois de 32 anos duma ditadura militar que debilitara e empobrecera o
país. Foi um privilégio viver aquele "PREC", que tantas vezes me lembrou
o nosso e me fez ficar a admirar o povo indonésio.
Desde que
ambos acompanhamos a reunião "DARE II" do diálogo intra-timorense, em
Junho de 1999, reconheci em Pak SBY (como é conhecido) o líder empenhado
na mudança, combinando a argúcia afável do javanês com o sentido de
missão do militar.
Foi Ministro dos Assuntos Políticos e da
Segurança do Presidente Abdurrahman Wahid (Gusdur) numa fase turbulenta,
em que as forças de segurança estavam desacreditadas e o processo de
democratização se confrontava com convulsões e ameaças: atentados
bombistas em Bali e Jacarta, violência nas Molucas, Celébes, Kalimantan,
Papua e Aceh. A descentralização em favor das províncias e consequente
redistribuição de recursos económicos não podia deixar de criar novas
desigualdades, violações de direitos humanos e corrupção continuavam e
emergiam grupos radicais islâmicos. Face a esta quase ingovernabilidade
SBY fez a diferença, para encarreirar o processo político e reformar as
instituições, incluindo as Forças Armadas, apoiando-se na respiração
democrática da vibrante sociedade civil.
A capacidade de fazer a
diferença, já eu a intuía em Setembro de 2000: lembro-me de ter escrito
isso mesmo num telegrama que mandei a Lisboa, depois de longa conversa, a
quente, sobre o assassinato de três funcionários do ACNUR em Atambua
(Timor Ocidental). E logo SBY agiu: o chefe das milícias
anti-independência seria preso dias depois...
A partir daí, durante
meses, passámos a encontrar-nos aos sábados de manhã no Hotel Indonesia,
para gravar conversas a três (com o para mim saudoso Ali Alatas),
radiodifundidas para encorajar timorenses a voltar para Timor-Leste.
Não
me surpreendi quando se candidatou e ganhou as eleições de 2004, as
primeiras por sufrágio universal naquela República de regime
presidencial. E quando foi reeleito em 2009.
Mal iniciara o
primeiro mandato quando o cruel tsunami, no final de 2004, lhe colocou
nas mãos a catástrofe de mais de 100.000 vítimas no Aceh. Corajosamente,
abriu o Aceh à ajuda exterior e, assim, abriu também caminho à
resolução por via democrática do conflito. E com o novo vizinho, Timor
-Leste, empenhou-se pessoalmente na ultrapassagem dos traumas e na
construção da amizade e cooperação.
Nos dez anos da sua
presidência, a Indonésia deu extraordinários passos na governação
democrática, no progresso económico, no prestígio internacional, na
segurança regional, demonstrando ao mundo que Islão, democracia e
pluralismo religioso, étnico e político não são incompatíveis.
A
indecisão que críticos apontam a SBY resultará da sua ponderação, do
sentido de justiça e do respeito pela diversidade do seu povo. O
Presidente Jokowi, recém-eleito, vai certamente capitalizar a partir da
Comissão de Luta contra a Corrupção, criada por SBY. A cultura
democrática, que ele ajudou a enraizar, abre hoje incríveis
oportunidades às gerações mais jovens.
Desde que nos cruzámos, Pak
SBY mostrou particular empenho na recuperação das ligações com o nosso
país. Interessava-se pelos traços da herança portuguesa na cultura
indonésia, foi parceiro crucial na resolução do problema de Timor-Leste e
no restabelecimento e desenvolvimento das relações com Portugal.
Não é
por acaso que encerra os seus dez anos de presidência da Indonésia com
esta visita: é com especiais emoção e apreço que me associo a
desejar-lhe Selamat Datang a Portugal.
Eurodeputada do PS, ex-embaixadora de Portugal na Indonésia (1999/2003)
IN "PÚBLICO"
19/09/14
.
Sem comentários:
Enviar um comentário