09/08/2014

PEDRO SOUSA CARVALHO

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O Novo BES e 
a última Coca-Cola 
no deserto

Para os restantes bancos, ir buscar clientes agora ao BES é o que, no futebol, se chama "transferência a custo zero"

Estávamos no final dos anos 20 quando a Coca-Cola encomendou à agência Hora uma campanha publicitária para promover a marca em Portugal. Já se sabe que o funcionário da agência, Fernando Pessoa, fez o tal slogan “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Nessa altura, o director de Saúde de Lisboa, Ricardo Jorge, censurou o slogan de Pessoa e proibiu a venda do refrigerante. Primeiro porque se a Coca-Cola tinha coca, como dizia o nome, seria um produto tóxico e ilegal e, como tal, não podia ser comercializado. Segundo, argumentava Ricardo Jorge, se não tinha coca, então anunciá-la no nome seria publicidade enganosa.
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A marca comercial que o Banco de Portugal e a administração de Vítor Bento escolheram para substituir o Banco Espírito Santo também não passaria no crivo do director de Saúde de Lisboa. Primeiro porque a marca BES passou a estar associada a um activo tóxico. O bad bank que ficou com a designação de BES passou a integrar todos os activos problemáticos do antigo banco, mas gera confusão aos clientes do Novo Banco, que continua a comercializar produtos com a designação BES. Aliás, até as maçanetas das portas das agências continuam com a designação de BES, mesmo sabendo que essas portas já não vão dar ao BES, que agora é o "banco mau", mas sim ao Novo Banco.

Dizer que o antigo BES passou a ser um Novo Banco também é publicidade enganosa. A nova administração deixou cair e bem uma marca, o BES, que o próprio banco há cerca de um mês dizia estar avaliada em 640 milhões de euros. Uma marca na qual os portugueses confiavam. Os casos de polícia e a má gestão da família Espírito Santo conseguiram destruir em poucos dias aquilo que levou 150 anos a construir. A imagem pela qual o Cristiano Ronaldo e a Dona Inércia deram a cara deixou de estar no lado do balanço em que estão os activos e passou a ser um passivo.

O que fica se tirarmos a marca BES ao Novo Banco? Nada, além de uma carteira de crédito e de depósitos que, mais tarde ou mais cedo, será vendida. E quanto mais cedo for vendida, melhor; caso contrário, o Novo Banco arrisca-se a ver fugir ainda mais depósitos. Basta ver que esta segunda-feira a Caixa Geral de Depósitos conseguiu, sem fazer nada, aquilo que nunca antes tinha conseguido: 200 milhões de euros de depósitos num único dia. Quem está a tirar dinheiro do antigo BES já não tira porque tem medo de perder o dinheiro; provavelmente apenas já não se identifica com uma espécie de marca branca a que alguém resolveu chamar Novo Banco.

Este sistema de resolução que a Europa inventou para salvar os bancos tem o grande mérito de não envolver directamente dinheiro dos contribuintes, mas coloca os outros bancos numa posição de algum conflito de interesses. Para os outros bancos do sistema financeiro, que agora e temporariamente são os donos do novo BES através do Fundo de Resolução, existe nesta altura uma espécie de mixed feelings em relação ao Novo Banco. Por um lado, interessa-lhes prolongar a agonia do Novo Banco e ganhar novos clientes, sem grande esforço. É o que, em linguagem futebolística, se chama "transferência a custo zero".

Aliás, não é de agora que a banca está a tentar aproveitar as fragilidades do BES para engordar a carteira de clientes. Não é inocente o timing, nem a mensagem, da campanha do BPI, que, depois de sete anos de ausência das televisões, regressou com o Perfect Day, de Lou Reed, para passar a mensagem de um banco que alberga, debaixo de uma árvore de 25 metros, aqueles que fogem de uma tempestade. O banco de Fernando Ulrich está a fazer precisamente aquilo que o Santander Totta fez quando a troika chegou a Portugal, e que tanto irritou, na altura, os banqueiros portugueses: aproveitou o facto de ser um banco meio espanhol e o corte de rating da banca portuguesa para “vender” uma imagem de segurança aos clientes com a campanha Solid as a rock.

Se, por um lado, interessa à banca manter o Novo Banco numa situação de limbo, também sabem que se o Novo Banco perder depósitos, está automaticamente a perder valor. E se perde valor, quer dizer que será mais difícil vendê-lo acima dos 4,9 mil milhões de euros que é o valor que o Estado e os próprios bancos injectaram na nova instituição. Se isso acontecer, é a própria banca que fica a perder. Achar que ir buscar clientes ao Novo Banco pode ser a última Coca-Cola do deserto é uma estratégia que pode vir a sair cara à banca.

IN "PÚBLICO"
08/08/14

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