11/08/2014

PEDRO MARQUES LOPES

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Confiança

É a minha última crónica antes das férias. Por muito que a atualidade nos grite novidades e temas para reflexão, tudo parece gasto, debatido, espremido. É, talvez por isso, uma boa altura para olhar para o ano que passou e tentar perceber se algo mudou, se a comunidade está melhor ou pior. 

Existiriam vários critérios de análise, se estamos mais ricos, se estamos mais felizes, se estamos com mais esperança no futuro. Escolhi, porém, tentar perceber se o cimento da comunidade, aquilo que a une, aquilo que a faz funcionar, melhorou. No fundo, o princípio em que se baseia qualquer comunidade: confiança. Confiança no outro, confiança nas instituições, confiança nos mercados, até.

Tony Judt, historiador, no livro Um Tratado sobre os Nossos Actuais Descontentamentos, afirmava que uma das razões da actual crise do capitalismo se relacionava com o facto de a confiança ser imprescindível para a livre concorrência e os mercados funcionarem, "se não podermos acreditar que os banqueiros atuam honestamente... ou os reguladores não denunciam os operadores desonestos, corremos sérios riscos". Não, o inglês não discorria sobre o caso português, mas dentro dos diversos problemas que o caso Espírito Santo trouxe, e trará, para a nossa comunidade, a quebra de confiança no sistema financeiro e na própria regulação não é, de certeza, dos mais pequenos. Pelo contrário, e nem vale a pena recordar que este caso vem na sequência de outros problemas no sector financeiro e de negligência de outras entidades reguladoras, não só financeiras. 

Este ano não faltaram estudos a mostrar o descrédito em que caíram as mais relevantes instituições. 
Confiamos cada vez menos nos políticos, nos partidos tradicionais e não vislumbramos alternativas. Nas últimas eleições, praticamente dois terços dos possíveis votantes nem se deram ao trabalho de escolher os seus representantes e os partidos estruturantes da nossa democracia, juntos, tiveram o pior resultado de sempre. 

Temos sérias dúvidas em relação à Justiça. Há muito que a sabemos lenta - logo, por definição, injusta -, mas agora suspeitamos dos seus critérios, da sua capacidade de tratar todos os cidadãos por igual. 

Olhamos para os meios de comunicação social e imaginamos conspirações, interferências no trabalho jornalístico, agendas nos colunistas. Talvez também por isso assistimos impávidos e serenos ao seu afundamento sem percebermos o mal que estamos a causar a nós próprios. 

Mas se já todos estes sinais, que este ano se agravaram muito, são assustadores e corroem a comunidade, o clima de desconfiança entre os cidadãos - fortemente incentivado pelo Governo em funções, há que dizê-lo - é talvez o mais grave. Deixámos que se instalasse uma espécie de guerra entre reformados e gente no ativo, entre funcionários públicos e privados, entre novos e velhos.

Como se a comunidade não precisasse de todos, como se cada um de nós não tivesse um papel a desempenhar, como se uns fossem um fardo e os outros os que o têm de carregar. Os possíveis desequilíbrios não são encarados como aspectos a melhorar, mas como guerras a travar. 
Sem confiança nas suas mais diversas instituições, uma comunidade mostra estar seriamente doente. Mas sem confiança no papel que o outro desempenha e a consciência da interdependência, uma comunidade não sobrevive.

Mais do que qualquer outra coisa, temos de recuperar a confiança em nós, nos outros e nas instituições. E, sim, é uma tarefa de todos. Tudo o resto parece absurdamente secundário.


IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
03/08/14


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