17/08/2014

PAULO CHITAS

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Os mortos
 excelentíssimos

Já escrevi obituários, pois a profissão tal exige. Mesmo quando o fiz sobre pessoas que conheci em vida, senti sempre ser incapaz de captar a essência desses (ou dessas) que partiram num texto cuja razão são os motivos porque eles (ou elas) permanecem. Esta semana, contudo, é incontornável: Bacall, Rangel e Williams são figuras que admirei, por uma ou outra razão, e que aqui quero evocar, mesmo que a modéstia do texto fique aquém da homenagem que merecem.

No caso de Lauren Bacall, a sua essência está espalhada por metros e metros de fita celulóide. O seu olhar predador e simultaneamente cândido, a sua silhueta agazelada, a onda no cabelo e a extraordinária capacidade para definir com as suas falas os momenta do filme, podem, por exemplo, ser apreciados na comédia How to Marry a Millionaire, de Jean Negulesco. Mas o meteoro Bacall surgiu graças aos filmes de Hawks e à parceria com Humphrey Bogart, a quem não só ensinou a assobiar - acabaria por casar com ele e ter dois filhos do ator de Casablanca.

Em Key Largo, um filme de Huston em que contracena com Bogart, é ela o fiel da balança das relações brutais entre o gangster que se acoita num resort e família do seu marido morto na guerra. E em Dogville, essa obra-prima de Lars Von Trier, é também ela que ressalta, uma septuagenária sem maquilhagem, com a voz grave e rouca do costume, ao encarnar uma das habitantes dessa localidade no final de uma estrada, nas Montanhas Rochosas. 

A sua insistência em continuar a trabalhar, já com oitenta anos, altura em que a maioria das estrelas de Hollywood goza as suas mansões com vista para o Pacífico e gasta os royalties em curas de rejuvenescimento, mostra de que fibra era esta mulher, de olhar insolente mas capaz ressuscitar um morto com um piscar de olhos.   

Emídio Rangel também ressuscitou mortos mas foi necessário mais do que um piscar de olhos para o fazer. Quando lançou a TSF, em 1988, depois de uma carreira interrompida em Angola e reiniciada na RDP; reinventou um meio que começava a tremer das pernas. Com uma aposta séria no jornalismo, as emissões matinais da TSF passaram a determinar o acontecer dos portugueses. Quatro anos depois, e durante 10 anos, dirigiu primeiro a informação do canal de Carnaxide e pouco depois a sua programação, até então entregue a Maria Elisa.

Conheci-o no início deste século, quando fui convidado por uma produtora catalã para ser diretor de conteúdos das Noites Marcianas, um late night show durante um ano em exibição na SIC. Das reuniões que tivemos juntos (e que para meu desespero começavam sempre várias horas depois de terem sido marcadas), não esquecerei a sua capacidade de alento - era nisso que era bom, em insuflar energia aos que com ele trabalhavam e lhes dar instrumentos para experimentar, para fazer de novo.

Robin Williams também sempre soube reinventar-se. Não foram os seus papéis em filmes dirigidos aos miúdos (Popeye, Hook, Jumanji) que me fizeram admirá-lo mas sim os negros, os que exploravam a sordidez humna, como Insomnia e One Hour Photo, e os inesquecíveis Good Morning, Vietnam, Dead Poets Society  e Good Will Hunting. Como escreveu João Miguel Tavares, na quinta-feira,14, no Público, Robin nunca foi um ator de grande filmes mas um grande ator em filmes que, se não fosse por outra razão, se tornavam aceitáveis por contar com ele. É por essa capacidade, única, de vestir a pele a uma personagem (admito que o mesmo seja válido para os filmes "infantis") e de a imortalizar, com sensibilidade e, se for caso disso, com um toque de histrionismo, que Robin ficará na galeria dos grandes atores do século.

PS: Ricardo Salgado falou, pela primeira vez desde o desmoronar do BES, ao Diário Económico. Não o chamo a estes texto porque esteja morto - também nunca o faria, porque não o admiro nem nunca admirei - mas apenas porque começou a mise em scène para limpar a sua imagem. De essencial, nada disse - apenas umas vulgaridades sobre a honra e dignidade, sua e da família a que pertence. Esperemos, portanto, pelas perícias forenses que se estão a realizar e pela Justiça, que certamente terá de investigar as trapalhadas no BES, que podem custar aos contribuintes uma fortuna que estes não têm.


IN "VISÃO"
14/08/14



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