17/07/2014

SOFIA CANHA

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Metas ou Mitos 

As metas, tal como estão definidas, são um instrumento ao serviço de uma política educativa injusta, desumana e pouco solidária

As metas curriculares, na sua versão definitiva, foram publicadas pelo Ministério da Educação e Ciências em agosto de 2012. É, por isso, tempo de refletir sobre a racionalidade subjacente às referidas metas e sobre os desafios que se colocam no contexto da sua operacionalização.
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O Ministério da Educação e Ciência definiu as metas curriculares como conteúdos mínimos obrigatórios a atingir pelos alunos, de acordo com o ano de escolaridade em que se encontram.

Tomando como exemplo as metas curriculares para a leitura no 1.º ciclo do Ensino Básico, os resultados apresentados pelo projeto Investigação das Dificuldades para a Evolução da Aprendizagem (IDEA), da Universidade de Lisboa, demonstram que esses mínimos são inalcançáveis pois baseiam-se em referenciais demasiado exigentes para o nível etário a que se destinam. Muito poucos alunos os atingem e exigir que as crianças cumpram essas metas irrealistas não lhes trás vantagens em termos de aprendizagem.

As metas assim concebidas fundamentam-se no mito da homogeneidade das turmas e grupos, no mito de que só alguns têm dificuldades, de que com um bom professor nunca há dificuldades e o mito de que, com intransigência e rigor, os alunos aprendem sempre. Em resposta a esta fundamentação, as conclusões da investigação na velocidade da leitura, por exemplo, demonstraram que os resultados são idênticos no ensino privado e no público. Ou seja, independentemente dos contextos e das variáveis em que se desenrolam as aprendizagens, a concretização das metas parece ser uma missão quase impossível.

Partindo do pressuposto de que as dificuldades sentidas pelos alunos e as suas necessidades individuais devem constituir o motor de todo o processo de ensino-aprendizagem, com mecanismos de monitorização e autorregulação adequados, a imposição de metas curriculares, nos moldes em que foram definidas, subvertem todo o processo.

Não me parece exagerado afirmar que as metas se destinam à normalização das aprendizagens, quando os alunos, as dificuldades de aprendizagem e os contextos são completamente distintos. Estamos perante um processo de medição em que quem não cumpre, não cabe, passa ao lado e é colocado à margem, sendo remetido para vias profissionalizantes cada vez mais precocemente. Há pois um objetivo claro com a criação das metas curriculares no Ensino Básico que obedece a um quadro ideológico traçado pelo MEC, visando a seleção, a desqualificação e a segregação.
Isto é, as metas, tal como estão definidas, são um instrumento ao serviço de uma política educativa injusta, desumana e pouco solidária.

Os encarregados de educação e os próprios docentes sujeitam-se a ser confrontados com a frustração de não verem as metas ser cumpridas pelos seus educandos ou alunos, não porque tenham sido negligentes e incompetentes ou os seus alunos menos capazes, mas porque os mínimos obrigatórios são desadequados e irrealistas. E, pior do que isto, é assistir à frustração e à desmotivação dos alunos ao sentirem que não são capazes de os atingir.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
16/07/14


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