07/07/2014

PAULA SANTOS

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Negação do
 direito à saúde

Esta semana foi publicado e apresentado o Relatório da Primavera 2014, da responsabilidade do Observatório Português dos Sistemas de Saúde. Em 2014, o Relatório da Primavera, reitera a chamada de atenção para as consequências das políticas de saúde do Governo na saúde dos portugueses. 
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Saúde Síndroma de Negação, foi o título escolhido para o Relatório da Primavera de 2014. E explica-se no relatório que "estamos perante um conjunto de dados que indiciam o impacto negativo da crise sobre a saúde das pessoas". Apesar disso, "parece ser evidente um esforço (...) do governo português de negar a evidência do impacte da crise sobre a saúde das pessoas e negando-o, evitar a discussão e consequentemente a adoção de medidas de prevenção e/ou combate. Tal atitude poderia ser apelidada de síndroma de negação." Diz ainda que "o único senão é que do outro lado estão pessoas em sofrimento com um desenvolvimento hipotecado". 
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Quem tiver um olhar mais atento sobre a situação da saúde em Portugal, facilmente concluí que o discurso político dos membros do Governo, não corresponde à prática, nem à realidade concreta do dia-a-dia dos serviços públicos de saúde, nem dos utentes. O Ministro da Saúde e o seu Governo quando confrontados com a realidade concreta, procuram desvalorizá-la e até ridicularizá-la, escondendo-se atrás de declarações que não têm qualquer correspondência ao país real, negando efetivamente as crescentes dificuldades no acesso à saúde, sentida pelos portugueses. 
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Como pode o Governo falar em sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde quando ano após ano se verifica uma redução de profissionais de saúde e se agrava a sua carência nos serviços públicos de saúde; quando se encerra extensões de saúde; quando se encerra ou reduz o horário de funcionamento de serviços e valências; quando há falta de materiais essenciais para o funcionamento dos serviços e para a prestação de cuidados de saúde; quando se adiam cirurgias porque não há camas para internar os doentes, ou porque não há batas ou ainda porque não há assistentes operacionais para limpar o bloco operatório após a cirurgia e ainda quando os utentes simplesmente adiam ou faltam a consultas, tratamentos, exames ou cirurgia porque não têm condições económicas para suportar as taxas moderadoras ou os custos associados à deslocação e o Estado não garante o transporte de doentes não urgentes. 
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Mais uma vez, o relatório critica as dificuldades sentidas na obtenção da informação, referindo que "o acesso e a transparência da informação estão, cada vez mais condicionadas" e afirma "que há mecanismos que impedem ou limitam os investigadores em saúde de aceder a dados do SNS, o que, entendemos, torna a governação menos transparente e consequentemente menos participada"
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Para além de negar a realidade, o Governo procura mesmo ocultá-la dos portugueses. Embora o Governo tenha retirado a referência explícita na nova proposta do dito código de ética, o que justificava a introdução de uma norma que proibia os profissionais de saúde de denunciar a realidade concreta em que se encontram os serviços de saúde, a não ser evitar que os portugueses tivessem conhecimento dessa mesma realidade?
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O Relatório da Primavera alerta para aspetos que deve merecer a preocupação de todos, dos quais destaco:
- A interrupção do processo de descentralização no SNS e a centralização das decisões ("lei dos compromissos, burocratização dos processos de aquisição e contratação, controlo central dos investimentos e da informação") e acrescentam que "as barreiras burocráticas e o ambiente de incerteza quanto à disponibilidade de recursos, impedem o planeamento estratégico, a contratualização plurianual e, no limite, a sustentabilidade das organizações"
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- Os cuidados de saúde primários não são uma prioridade, prevalecendo "dificuldades no dia-a-dia dos profissionais que dificultam muito a prestação de cuidados (e.g., sistema de informação deficiente; falta de recursos humanos; fragilidade de algumas unidades funcionais) ". 
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- O atual contexto económico e social (desemprego, não conseguir fazer planos de futuro, maior risco de pobreza e exclusão social); as elevadas taxas de prevalência de doença mental (Portugal é o terceiro país a nível mundial com maior prevalência de perturbação psíquica de entre os países que integraram o estudo Mental Health Survey Initiative) e "num cenário em que a demora média entre os primeiros sintomas e o início do tratamento chega a ser de 5 anos". 
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 - Alteração dos padrões de consumo alimentar dos portugueses para pouparem dinheiro.
- "Dificuldades crescentes de acesso ao medicamento, quer as que decorrem das limitações financeiras das pessoas, quer das dificuldades de distribuição de alguns medicamentos". 
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São cada vez mais as vozes que se levantam - de investigadores, de profissionais de saúde, de utentes - a denunciar as consequências da política de saúde do atual Governo e a exigir efetivamente a adoção de medidas que garanta o direito à saúde para todos, como consagrado constitucionalmente..

Está-se perante uma realidade que resulta exclusivamente da opção política do Governo e não de nenhuma fatalidade. Por isso, a situação da saúde em Portugal, mais é apenas o resultado desta política, ela inscreve-se numa opção estratégica mais vasta do Governo de desmantelamento do SNS e da negação do direito à saúde. 
A publicação da conhecida Portaria 82/2014, que procede à classificação dos hospitais é disso exemplo. Este instrumento conduz à concentração e encerramento de serviços e valências hospitalares e despedimento de profissionais de saúde, para reduzir a capacidade de resposta do SNS. Com que objetivo, pergunta-se? Penso que é muito claro. Reduzindo a capacidade de resposta do SNS, está-se a criar as condições para que os privados possam assegurar a prestação de mais cuidados de saúde, à custa do financiamento público. 

O facto de os hospitais PPP não serem abrangidos por esta Portaria, clarifica bem a atitude do Governo perante os interesses dos grandes grupos económicos. Mais uma vez se comprova, que este Governo não está ao serviço dos interesses dos portugueses e do país. 
Os profissionais de saúde e os utentes aspiram por um SNS, na esfera pública, de qualidade, eficaz, geral e universal, que assegure o direito à saúde de todos os portugueses, independentemente das condições económicas e os direitos dos profissionais de saúde.


IN "EXPRESSO"
02/07/14


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