08/07/2014

JOHN GAPPER

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John Gapper, Financial Times
 O produto que o Facebook
tem testado somos nós

Os EUA têm regras para a investigação académica e chegou a hora de o Facebook as ler.
Há quem diga que o último escândalo do Facebook é muito barulho por nada. Uma experiência psicológica ao longo de uma semana envolvendo 690 mil utilizadores em 2012 sem consequências dignas de registo nem efeitos relevantes pouca importância tem na escala de abusos cometidos na área da investigação ao longo dos anos.

O Facebook nunca escondeu que o seu ‘feed' de notícias é uma versão manipulada da realidade. Como tal, não podemos falar de experiências sinistras, mas sim de desenvolvimento de produto. A grande diferença está no facto de sermos nós o produto que o Facebook tem vindo a testar. Talvez devêssemos crescer e aceitar que é assim que o mundo funciona quando usamos uma rede social financiada por publicidade que dispõe de numerosos detalhes sobre a nossa vida, a dos nossos amigos e família.

A maior parte das pessoas tinha vagamente conhecimento de duas questões que entretanto se levantaram, embora nunca tenha reflectido seriamente sobre elas. Primeiro, o Facebook entende que não é necessário pedir autorização para levar a cabo as suas experiências. As condições de utilização, isto é, o bloco compacto de texto que passamos rapidamente à frente para clicar em "aceito" faz referência à utilização de dados para "melhorar" o produto. Desde 2012, a expressão "pesquisa" passou a estar incluída. Pois, é verdade.

O estudo entretanto publicado alega que a empresa teve o "consentimento informado" dos seus utilizadores, o que é gritantemente falso e vai contra as regras deontológicas da investigação académica nos EUA. Edward Felten, professor de ciências da computação em Princeton, descreve os seus termos de utilização como "uma ficção legal de consentimento". Mais. O Facebook está numa posição privilegiada não só em termos académicos mas também comerciais. Muitas empresas desenvolvem estudos psicológicos, caso da Unilever e da Procter & Gamble, mas recrutam pessoas para o efeito.

A segunda questão remete para o imenso poder que o Facebook tem sobre o comportamento dos seus utilizadores, em parte devido à sua dimensão, conforme observa outro estudo conduzido pela sua equipa de investigadores sobre a forma como a informação é disseminada pelas redes de amigos: "A nossa amostra ronda os 253 milhões" de utilizadores. Por outras palavras, o equivalente a quatro vezes a população da França.

O algoritmo que controla o ‘feed' de notícias é semelhante ao utilizado pelo Google nos resultados de pesquisa: ambos listam o material por ordem de relevância. A diferença é que o Google analisa material de toda a Internet, ao passo que o Facebook centra a sua análise em dados pessoais. Aparentemente, Mark Zuckerberg e acólitos estão convencidos de que aquilo que é bom para os seus utilizadores - partilhar material com os amigos - também é bom para a rede social, logo, tudo o que a empresa faça nesse sentido é benéfico para todos.

Daí, talvez, o tom genuinamente admirado de Adam Kramer, investigador e um dos responsáveis da rede social que conduziu o controverso estudo de contágio emocional, quando redigiu um pediu desculpas: "O objectivo de todas as nossas pesquisas é aprender a melhorar o serviço. Não queríamos incomodar ninguém". Os EUA têm regras para a investigação académica e chegou a hora de o Facebook as ler.

Escreve no Finantial Times

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
04/07/14

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