04/07/2014

HUGO GONÇALVES

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Diário da Copa - 
Quem não chora não mama? 

Extra! Os rapazes chorões de Scolari, a seleção brasileira no divã e argentinos disparados para o mar

1 - Tal como uma telenovela de sucesso 
- daquelas que colocam o Brasil inteiro diante da TV, que extremam sentimentos, criam heróis e fazem despontar vilões -, a seleção brasileira é agora a principal produtora de conteúdo dramático do país. 
Tudo o que se passa com a seleção é debatido, esquadrinhado e avaliado com um afinco que vai muito além da análise futebolística. Trata-se de emoção e dramatismo, de vida e de morte, de intolerância e paixão. Não falo sequer dos adeptos ou dos comentadores. A seleção brasileira é, só por si, um filme que mistura o épico, o bélico, o emotivo e o transcendente. 

2 - O transcendente. 
Scolari e muitos jogadores são religiosos devotos. Se o treinador tem uma Nossa Senhora do Caravaggio na sua mesa de trabalho, que viajou para o estádio onde o Brasil eliminou o Chile, o guarda-redes Júlio César (que tirou uma foto ao lado da estátua da santa depois da partida) recebeu um pequeno crucifixo que colocou sobre a linha de golo ao defender os pénaltis. Menções e agradecimentos a deus são constantes nas entrevistas e Thiago Silva, o capitão, preferiu rezar do que bater um penálti, pedindo ao técnico que o dispensasse porque não se encontrava bem. 

3 - O emotivo. 
Nos últimos dias não se tem falado noutra coisa se não no choro e aparente descontrolo emocional dos jogadores brasileiros antes e durante o desempate por penáltis com o Chile. As imagens de Júlio César limpando as lágrimas antes de ir para a baliza defender as grandes penalidades, de Neymar chorando durante o hino ou do capitão Thiago Silva soluçando como um garoto quando o Chile falhou o último penálti, foram tidas como uma prova da debilidade da equipa para lidar com a pressão. De repente, parece que a seleção está no divã e, tal como num reality show, todas as suas emoções, palavras e gestos são analisados diante do público, com jornais e televisões a recorrerem a psicólogos e outros especialistas de forma a explicar ao povo qual o diagnóstico. Se uns dizem que a seleção treme demais, sente demais e chora de mais - embora jogue de menos -, há outros que reconhecem que, devido a algumas limitações do plantel, talvez seja a emoção, ainda que não totalmente descontrolada, o maior atributo destes jogadores, como afirma o ex-campeão do mundo Tostão: "O que salva a seleção é o envolvimento emocional dos jogadores, empurrados pela torcida e pela pressão de jogar em casa". 

4 - O épico. 
O choro e a espavento de emoções alguma coisa terão a ver com a inclemente exigência do público brasileiro - o hexacampeonato do mundo -, mas também com a pressão que os jogadores colocam a si mesmos, como se a vida de 200 milhões de pessoas ou a glória, o valor e o futuro do Brasil dependessem apenas deles e de ganhar um título. Claro que ter perdido uma final da Copa em casa, em 1950, pesa ainda sobre os brasileiros e os jogadores, apesar de tal cataclismo ter acontecido há 64 anos. Talvez porque ganharam cinco títulos mundiais ao longo da história, talvez porque o próprio Scolari disse, antes do torneio, que o Brasil tinha obrigação de vencer (tem, porquê?), a pressão para que estes jogadores sejam épicos pode ser tão motivadora como esmagadora. 

5 - O bélico. 
Scolari percebeu que, com tanto choro e sentimentos à flor da pele, a expressão brasileira "explode coração" podia se tornar perigosa. Tornou-se mais duro - não com os jogadores, a quem abraça e beija com frequência -, mas radicalizou o discurso para fora. Disparou contra a Fifa, contra os árbitros, contra a imprensa - diz que os jornalistas não apoiam a seleção. Disse que iria ser bastante menos diplomático com os estrangeiros. Felipão "o general" Scolari, que deu uma bofetada num jogador sérvio quando treinava Portugal, está de volta. E tem seus acólitos: depois do jogo com o Chile, Rodrigo Paiva, diretor de comunicação da CBF, deu um sopapo no jogador Pinilla.

Publicidade versus História
É mais do que conhecida a rivalidade entre argentinos e brasileiros. Depois de vários jogos da seleção alviceleste nesta Copa, já houve confrontos nas ruas entre os visitantes do país vizinho e os anfitriões.  Os argentinos cantam nos estádios "Brasil como te sentes de ter em casa o teu papá?" E os brasileiros podem ver agora um anúncio na TV em que os argentinos são lançados ao mar. Não sei qual a idade dos criativos que tiveram esta ideia, mas talvez precisem de estudar um pouco de História: durante a ditadura Argentina (1976-83), desapareceram mais de 30 mil pessoas. Muitas delas foram atiradas de aviões para o mar.

O vagão amarelo
Durante o desempate por penáltis com o Chile, havia quem estivesse no metro, dependente de saber o resultado pelo pequeno rádio de um dos passageiros. A revista Sports Illustrated - que também tem o hábito de fotografar miúdas giras em biquíni - tem no seu site um vídeo dos adeptos no metro após o último penálti da partida.

A Copa dos outros
Na sua coluna sobre a Copa, a escritora Tati Bernardi explica como o clima de "come-come" (engate) em São Paulo, por causa do Campeonato do Mundo, despertou o seu feminismo guerrilheiro e alma pudica

IN "VISÃO"
01/07/14

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