29/07/2014

HELENA MATOS

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Se isto fosse um blogue

Eu fazia um post todos os dias. Ou quando calhasse. Mas isto não é um blogue. Pois não. Mas posso fazer de conta que é. Se fosse esta semana tinha sido assim.


Segunda-feira, 21 de Julho de 1014
António José Seguro cantou, dançou e tocou ferrinhos em Coimbra
 
Finalmente Seguro percebeu que é líder do PS. Deixou de estar sempre a olhar para o lado a pensar no que vai dizer a família Soares, no que vão os jornalistas pensar, no que vai criticar Pacheco Pereira. Acabou. Fosse antes destas primárias e Seguro não tocaria nem deixaria de tocar ferrinhos. Fazia de conta. Agora toca e até ri. Parece aliás sentir-se à vontade nesta deambulação pelo país e pelo PS em busca de apoios. Libertou-se dos galambas, das medeiros, das moreiras… Mas libertou-se tarde. António José Seguro deve ficar para os futuros líderes ou candidatos a tal como o exemplo vivo de que não se pode chefiar quando se leva a vida a olhar para trás. Não é neste momento primeiro-ministro porque não quis desagradar aos soaristas e aos socráticos cujo ódio a Cavaco os levou a rejeitar a antecipação das eleições para 2014 proposta pelo Presidente da República.

Estas primárias estão a ser o seu prémio de consolação: Seguro pode ser derrotado mas só é derrotado quem luta e lutar era coisa que até agora não se tinha visto Seguro fazer. Infelizmente para ele em política às vezes é tarde para começar.

Terça-feira, 22 de Julho de 1014  
António Costa e Rui Rio em clima de felicitações e entendimentos

Estes dois homens têm em comum o facto de se considerarem muito acima daqueles que dirigem os respectivos partidos. Mas não é apenas isso que os une. Ambos consideraram que uma espécie de vaga de fundo os havia de levar até ao lugar que acham que lhes é devido. E quando perceberam que a vaga não existia caso eles não se chegassem à frente e se expusessem então avançaram. Ou mais propriamente Costa avançou enquanto Rio se vai mexendo nos bastidores. Mas é óbvio para ambos que já o deviam ter feito antes. Estes dois homens, Rio e Costa, têm de facto muito em comum se por ter muito em comum se entender apostar na mesma estratégia que no caso foi esperar que o tempo desgastasse Passos e reduzisse Seguro ao papel de personagem de transição. Enganaram-se e agora são eles, os que majestaticamente se deixaram ficar quietos, que, frenéticos, querem que o tempo corra e que as legislativas sejam antecipadas. Rio e Costa contavam que os erros e o azar de Passos e Seguro lhes estendessem uma passadeira até ao poder. Mas para isso teriam tido de avançar eles mesmos muito antes. Agora Seguro dá luta e Passos tem o tempo a seu favor. Em resumo quem espera sempre alcança. Pode é não alcançar aquilo para que se achava predestinado ou ter de amargar muito mais para lá chegar.

Terça-feira, 22 de Julho de 1014
Professores invadem escola no Porto durante a prova

Esta imagem vale mil palavras. Foi a isto que Mário Nogueira conduziu a FENPROF: professores contra professores ou, mais propriamente dito, pessoas que se apresentam como professores tentando impedir por todos meios que outros que querem ser professores não façam a prova de acesso à profissão. Se houvesse provas para se ser sindicalista, e entendendo por sindicalista alguém que tem como objectivo defender os interesses dos trabalhadores, Mário Nogueira tinha chumbado rotundamente.

Pode dizer-se que a afinidade entre a FENPROF e o PCP leva a que os objectivos deste tipo de performances seja mais político que sindical. É certo. Mas não é só isso. O que temos aqui nesta imagem é muito mais social do que ideológico: de um lado, com apito e megafone na mão, estão pessoas com ordenado e progressão na carreira garantidos. A maior parte deles foram professores há muitos, muitos anos. Depois tornaram-se sindicalistas, uma espécie de emprego vitalício em Portugal numa corporação que tem garantido pela Constituição o monopólio da representação dos trabalhadores. Tanto se lhes dá que aquilo que fazem seja ou não adequado: eles não precisam que os trabalhadores os apoiem. Os trabalhadores são apenas uma figura de estilo no seu discurso. Do outro estão pessoas que não têm emprego ou temem perdê-lo e que muito menos têm quem as represente. No acesso à profissão terão de enfrentar vários obstáculos e a milícia sindical protegendo sempre os mais protegidos não será o menor.

Quinta-feira, 24 de Julho de 1014 
Ricardo Salgado foi detido esta quinta-feira para interrogatório

Nunca percebi como treinam os banqueiros o olhar para a câmara. Mas deve haver um sítio onde isso se aprende porque mais ninguém consegue que as objectivas os captem assim: políticos, empresários e jornalistas bem tentam mas não conseguem. Mas esse olhar quase florentino que nos outros talvez seja uma técnica no caso de Ricardo Salgado parecia um dom tão geneticamente natural quanto os apelidos que carrega.

É claro que esta fotografia é prévia a essa quinta-feira, 24 de Julho de 2014, em que o Correio da Manhã escreveu no seu site “Ricardo Salgado foi detido” e os jornalistas correram em busca da imagem e das palavras que mostrassem a descida aos infernos de um poderoso. Era apenas o começo. Simbolicamente, e o mundo do dinheiro vive de símbolos (o que é esta foto senão um símbolo?), na página institucional do BES não consta Ricardo Salgado.

Estão lá José Maria do Espírito Santo e Silva (1869-1915), José Ribeiro do Espírito Santo e Silva (1916-1932), Ricardo Ribeiro do Espírito Santo e Silva (1933-1945), Manuel Espírito Santo Silva (1955-1972), Manuel Ricardo Espírito Santo e Silva (1973-1990). Sobre ele, Ricardo Espírito Santo Silva Salgado, bisneto, neto e sobrinho desses homens não consta nada.
Quando na sua página na wikipedia se carrega na Nota Biográfica de Ricardo Salgado que constava no site do BES surge agora Vítor Bento numa nota assinada a 21 de Julho afirmando “Estimado Cliente, Os Clientes são a razão de ser do BES. A sua confiança é a base de todo o valor que geramos. Ao tomar posse como presidente da Comissão Executiva sinto, com orgulho e responsabilidade, o peso da valorosa confiança que em nós está depositada.”

Se há momentos em que um banqueiro pode em Portugal ter saudades do PREC este é um deles: na prisão esqueceram-se azedumes familiares, o mundo dava-lhes razão e sobretudo ele, Ricardo, era novo. Agora é tarde. Muito tarde. Já não haverá tempo para recuperar este olhar diante das câmaras e inscrever o seu nome nessa dinastia familiar que na página institucional do BES nos contempla e o contempla sob o lema “Um percurso a criar valor”.

IN "OBSERVADOR"
27/07/14


 
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