05/07/2014

CARLA HILÁRIO QUEVEDO

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Dizer a coisa errada

Sabemos  que o mundo se divide entre os que sabem dizer as palavras certas em momentos difíceis e os que não têm jeito nenhum. Conhecemos os intrometidos, os que dão conselhos, os que falam deles, os que passam pior. Conhecemos os que insistem em dizer a verdade, os brutos e insensíveis.

Mas se tivermos sorte, conhecemos também quem pergunta sinceramente se é preciso alguma coisa e que está presente quando é. Não vale a pena dizer a ninguém como pode ou deve passar por um momento de perda na sua vida, porque realmente ninguém sabe como se faz, mesmo que tenha uma vasta experiência no assunto. Não é possível evitar nem eliminar o sofrimento, diria até que não é aconselhável, mas é possível tentar não dizer disparates quando vemos que alguém está a sofrer. Se as palavras custam, pergunte à pessoa que está de luto, por exemplo, se tem jantar. Não lhe conte do seu tio que morreu há dias nem lhe diga que temos de estar preparados para a morte.

Atracção pela arte
Na Universidade de Tübingen, na Alemanha, está exposta uma escultura de mármore encarnado do escultor peruano Fernando de la Jana. Chama-se Chacán-Pi. Desconheço o que significam estas palavras em quéchua. Em inglês, dizem que se chama ‘Making Love’. A obra, que pesa 32 toneladas, é um cubo com uma racha de curvaturas sugestivas no meio. Não é preciso ser muito sofisticado para associar a fenda a uma vagina. Há dias, um estudante meteu-se lá dentro e não conseguia sair. Foram precisos 20 bombeiros a fazer de parteiras para o rapaz não passar o resto da vida dentro da dita cuja. O que terá passado pela cabeça deste estudante? Imagino que terá sido uma brincadeira estúpida, uma tentativa de impressionar os colegas com a façanha ou quem sabe se uma aposta. Mas terá avaliado o valor simbólico da sua iniciativa? Penso que não. O que me parece imperdoável é o rapaz não se ter apercebido da inflexibilidade e da frieza do mármore. Que grande palerma.

Só rir
Um artigo na New York Magazine revelou três conclusões de um estudo sobre o riso. A primeira é a de que quando estamos sozinhos nos rimos 30 vezes menos do que quando estamos acompanhados. Não me surpreende. Os produtores das sitcom dos anos 50 perceberam que conseguiam fazer rir os espectadores com o som de risos enlatados. Em teatro, as famosas e paleolíticas claques também aplaudiam os patrões e riam das suas piadas, contagiando os ingénuos. Outro axioma: 46% das pessoas riem das suas próprias graçolas. Aqui discordo. Há cada vez menos pessoas com confiança suficiente para deixarem o ouvinte decidir se têm graça ou não. Os humoristas de salão tentam dar uma ajudinha, mesmo que seja com um desesperado ‘estava a brincar’.  Por último, afirmam que as mulheres se riem 126% mais que os homens. É uma percentagem decepcionante, tendo em conta que as mulheres adoram homens que as façam rir. Só 26% de risos a mais provam a pouca graça que eles têm.

Um perfil
No momento em que escrevo sei que é de um milagre que a selecção portuguesa precisa para passar à próxima fase do Mundial. Pouco antes de Portugal empatar com os Estados Unidos, li um perfil de Emily Shire no Daily Beast sobre Cristiano Ronaldo que destacava uma qualidade surpreendente. Quando Ronaldo se deixou fotografar nu com a namorada para a capa da Vogue, permitiu que fosse ele o humano objectificado em vez da mulher. Ronaldo é por vezes acusado de ser efeminado por causa das campanhas publicitárias em que participa de roupa interior, mas talvez fosse interessante descobrirmos que Ronaldo não é o troglodita habitual. Parece-me evidente que um homem nu na capa de uma revista de moda feminina não é comparável a uma mulher nua numa revista parecida, mas acho que para variar não faz mal. Fiquei a pensar se Ronaldo gosta mesmo de mulheres de um modo que não é comum um futebolista heterossexual gostar. Daquele modo saudável e companheiro.

Bolinha 
Já lá vai o tempo em que só os homens gostavam e sabiam de futebol. É comum vermos os estádios com mulheres a assistir e é frequente ouvirmos conversas entre mulheres sobre os jogos, as equipas, o modo como jogaram, etc. De início estranhei esta curiosidade, mas agora gosto de ouvir mulheres a falar de futebol, infelizmente apenas uma na televisão portuguesa, Cláudia Lopes, e gosto de saber que jogam o jogo. Tudo o que seja para agitar os clubes do Bolinha é bem-vindo. As mulheres gostam de futebol, mas será que o futebol gosta delas?, pergunta Byrony Gordon, no Telegraph. A conclusão a que chega é que nem por isso. O futebol aceita supermodelos para apresentar galas da FIFA e coisas do género, mas não está interessado na participação feminina quando se trata de comentar e analisar os jogos, uma actividade reservada a pessoas com certas características anatómicas. Como se o futebol fosse o último reduto masculino. Ah, não! Ainda temos o râguebi.


IN "SOL"
30/06/14


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