18/06/2014

JOSÉ DIOGO QUINTELA

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Apresento-lhe
      o Sr .Inércia,
contabilista do BES

BES é mesmo um banco familiar. Não só porque pertence a uma família, os Espírito Santo, mas também porque dá emprego a outra, a Inércia. A D. Inércia faz os anúncios e, percebeu-se agora, o Sr. Inércia é o contabilista. Provavelmente por não estar com pachorra para abrir o Excel, o Sr. Inércia não registou os 1200 milhões de euros de dívida do BES, uma quantia que coloca o banco na falência técnica. Enfim, são coisas que acontecem. Quem nunca se esqueceu de registar 1200 milhões que atire a primeira pedra. Preciosa, claro.
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Estamos perante uma interpretação bancária do recém-consagrado “Direito ao Esquecimento”.
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Tenho pena do Sr. Inércia, que deve estar a passar um mau bocado. A mulher anda feliz da vida, a contracenar com o Cristiano Ronaldo, e o Sr. Inércia nas ruas da amargura, sem emprego. Deve estar pesado o ambiente no lar dos Inércia.
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Se eu fosse responsável pela manutenção dos edifícios do BES, fazia já uma vistoria às instalações todas. Mandava vir daqueles inspectores que verificam se há amianto nos prédios, mas punha-os a procurar vestígios de queijo. De certeza que há uma maquineta, tipo contador Geiger das radiações, para medir isso. Ou então ratinhos. Os escritórios devem estar pejados de resíduos de roquefort e flamengo, o que propicia todo este esquecimento no seio do Grupo Espírito Santo. Olvida-se imenso no BES. Já no ano passado foi o Ricardo Salgado que não se lembrou de declarar uns sete milhões de euros no IRS. Aliás, foi um esquecimento duplo: parece que também se esqueceu de os declarar à família, que não levou a bem. Sei bem o tipo de tensão familiar que pode haver. Ainda no outro dia perguntei à minha mulher se ela tinha 20 euros. Ela disse que não. Mais tarde, quando foi a ver, afinal tinha. Quando me disse, repreendi-a com firmeza: “Então quer dizer que tive de ir lá abaixo levantar dinheiro para nada? Obrigaste-me a calçar!” Foi um momento desagradável, no intervalo da Guerra dos Tronos. Se isto sucedeu por causa de 20 euros, imagino a bulha que terá acontecido pelos sete milhões.
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Provavelmente por não estar com pachorra para abrir o Excel, o Sr. Inércia não registou os 1200 milhões de euros de dívida do BES
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É a chatice de se ser dono de uma instituição financeira tão grande. Há muita coisa a ter em conta. Há o passivo (o que se deve), os activos (o que se tem) e há os hiperactivos, que são aqueles bens que não param quietos, nunca conseguimos dizer exactamente onde estão. É aquele dinheiro que não sabemos onde o pusemos. Imagino o tamanho do ábaco que o pobre contabilista tem de manusear. Deve parecer um tear de missangas.
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Entretanto, na quarta-feira, vai ficar a conhecer-se a nova estrutura accionista do BES, depois do aumento de capital. “Aumento de capital” é o termo técnico, mas, na actual situação de bandalheira e emergência financeira, isto parece-se mais com crowdfunding — que é como hoje em dia chamamos à antiga “vaquinha”.
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Esta operação é capaz de ser um bocadinho precipitada. Mais valia aguardar algum tempo pela inevitável intervenção estatal que vai reformular definitivamente a estrutura accionista do BES, tornando-nos a todos, contribuintes, donos daquilo tudo.

IN "PÚBLICO -ONLINE"
15/06/14


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