11/06/2014

FRANCISCA ALMEIDA

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CONFLITO IN(CON)STITUCIONAL

1.           No curso desta semana já tanto foi dito e escrito sobre a última decisão do Tribunal Constitucional que é quase possível dividir opinião pública e publicada entre os bons e os maus dependendo, claro está, da perspectiva. Devo dizer que partilho de uma preocupação comum a muitos juristas e não juristas e que não tem já que ver com esta decisão ou, melhor dito, apenas com esta decisão. Em causa está uma certa corrente jurisprudencial, que ao que parece medra no Ratton, à luz da qual o entendimento sobre o poder judicial é tão lato que chega mesmo a abarcar competências outrora confiadas, em exclusivo, ao legislador. Pelos entorses que encerra e pelas perplexidades que suscita essa deveria ser, quanto a mim, a principal questão a interpelar as consciências da sociedade civil.Confesso que admitia que o TC decidisse exactamente no mesmo sentido - o da inconstitucionalidade destas e das demais normas, nomeadamente orçamentais, que ao longo destes três anos lhe coube apreciar - se se contivesse numa fundamentação estritamente jurídica ancorada, por exemplo, naquilo que pudesse entender-se como a "violação grave" ou "o erro grosseiro ou manifesto" dos/sobre os princípios constitucionais. E por aí se ficando. Ao optar por "calibrar" as normas - do estilo: de 3,5% a 10% a partir dos 1500€ pode ser mas de 2,5% a 12% a partir dos 675€ já não pode - o Tribunal está já, como apontou e bem a Vice-Presidente Conselheira Lúcia Amaral - a "restringir indevidamente a liberdade de conformação política do legislador ordinário". Por isso, mais do que perceber como resolveremos o constrangimento orçamental criado pela decisão da passada semana, importa saber como resolveremos, para futuro, o constrangimento jurídico. Dos dois, posso apostar, o segundo trará muito mais problemas.
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2.           Entretanto, depois de três anos a jogar uma espécie "mastermind" com o Constitucional - do tipo "descubra a combinação certa para o ajustamento" ou, nas palavras do Conselheiro Pedro Machete, "uma simples questão de tentativa/erro, a decidir casuisticamente" -, o Governo perdeu a paciência e a arrumou o tabuleiro. A estratégia agora parece ser outra: antecipar a aprovação de medidas para "testá-las" no TC. De resto, volvidas várias "combinações de cores" já não são os deputados da maioria, nem as figuras de proa dos partidos, nem os dirigentes partidários a sindicarem as decisões do Constitucional. É já o próprio Primeiro-Ministro quem afirma publicamente que os juízes do TC que "determinam a inconstitucionalidade de diplomas em circunstâncias tão especiais" deveriam estar "sujeitos a um escrutínio muito maior do que o feito até hoje"  E Acrescenta: "como é que uma sociedade com transparência e maturidade democrática pode conferir tamanhos poderes a alguém que não foi escrutinado democraticamente?"  Ora, aqui chegados não há já retorno. Quando o Pedro Passos Coelho chamou a si esta contestação transformou uma querela constitucional numa contenda institucional. Compreendo bem as motivações e os estados de alma. No fundo ser hoje Primeiro-Ministro em Portugal é quase tão temerário como pilotar um avião sem radares de nenhuma espécie. Mas - confesso - não alcanço o objectivo. A quem serve e de que serve juntar aos constrangimentos da decisão do constitucional um conflito institucional? Res ipsa loquitur! 
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3.           Não é verdade ou, pelo menos, não é inteiramente verdade, que aos juízes do TC falte legitimidade democrática. O Tribunal Constitucional Português é composto por treze juízes, sendo dez eleitos pela Assembleia da República e dois cooptados pelos eleitos. Com efeito, pelo menos quanto aos primeiros, o mecanismo de eleição garante uma espécie de legitimidade democrática indirecta. De resto, a forma como são designados os "nossos" juízes não contrasta, pelo contrário, com a de outros ordenamentos jurídicos europeus. Há, contudo, aqui ou ali, pequenas nuances. Em França, por exemplo, o Conseil Constitutionnel inclui juízes escolhidos pelo Presidente da República, pelo Governo e pelo Parlamento, e inclui, por inerência, todos os antigos Presidentes da República. Na Áustria a escolha dos juízes é "dividida" entre o Parlamento e o Governo e na Alemanha a selecção reparte-se entre o Bundestag e o Bundesrat. 
Já em Espanha a composição do Constitucional depende das escolhas feitas pelo Congresso, pelo Senado, pelo Governo e pelo Consejo Geral del Poder Judicial. Numa futura revisão constitucional pode equacionar-se a possibilidade de envolver o Governo ou o Presidente, polarizando a escolha dos juízes. De resto, a forma como é hoje "cozinhada" a lista de juízes eleitos pelo Parlamento - feita por acordo das maiorias parlamentares conjunturais e envolvendo em regra PS, PSD e, ocasionalmente, o CDS - não favorece o escrutínio público das personalidades eleitas, que são ouvidas na 1ª Comissão Parlamentar, as mais das vezes, apenas para cumprir uma formalidade. Acresce que, apesar de mais comuns nos EUA que na Europa, os estudos que relacionam a indicação "partidária" dos juízes e o sentido das respectivas decisões não apresentam, em regra, resultados claros.Não creio, pois, que alterações no modelo de designação dos juízes ou mesmo uma revisão constitucional - apesar de necessária e desejável - resolvam o problema de fundo. Estamos no domínio da interpretação e integração de princípios constitucionais - igualdade, proporcionalidade, protecção da confiança... - cuja formulação na Lei Fundamental está (e por natureza, estará sempre) longe de estabelecer um padrão interpretativo de vinculação concreta. O ponto está em lograr inverter uma certa "cultura constitucional" que, temo, possa vir a fazer escola, mas que não é também exclusivamente portuguesa. E a cultura - como as mentalidades - não se impõe nem por lei nem por decreto. 

Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PSD

IN "EXPRESSO"
08/06/14



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