19/06/2014

FILOMENA MARTINS

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Episódios 
vagais preocupantes

Um consenso nacional era, inegavelmente, importante para o País. E até pode vir a tornar--se uma realidade e a impor-se pela necessidade e a conjuntura. Mas neste momento, e dentro dos prazos que Cavaco Silva determinou - até à aprovação do próximo Orçamento -, é uma mera utopia demagógica. É um verdadeiro "inconseguimento". E o Presidente sabe-o: só insiste na proposta para poder dizer mais tarde que tinha razão na solução proposta. E esse mais tarde é daqui a um ano, quando as próximas legislativas impuserem per se um acordo entre partidos. 

Resta saber quais e com que líderes. Em condições normais, os partidos da coligação no Governo estariam neste momento com vários problemas em mãos que nem os juros baixos dos mercados, que permitiram dispensar a última tranche da troika, conseguiriam disfarçar. O oitavo chumbo do TC, e o que ele obriga a refazer contas, associado ao desfazer de outra utopia, a do milagre económico suportado por um crescimento de exportações que afinal tem pés de barro, fragilizariam ainda mais PSD e CDS. Mas a crise interna no PS e as lutas fratricidas que está a gerar desviaram as atenções. Deram um fôlego à coligação e outras preocupações aos socialistas. Todos pensam em eleições. 
Nenhum em acordos. A verdade é que não há soluções mágicas para tirar o País do fundo do precipício. Passos já repete a receita de Sócrates. Seguro ou Costa, com ou sem Passos ou Rio, ajudados por Marinho e Pinto, Portas ou quiçá Louçã, não terão muitas alternativas para o menu. Nem nomeando juízes à medida para o Tribunal Constitucional. Só se a UE decidir contabilizar no PIB, depois da prostituição e do tráfico de droga, as ideias sem nexo.

Não está provado que houvesse causa-efeito entre os protestos dos professores na Guarda e o desmaio sofrido por Cavaco Silva. Mas está demonstrado, por imagens, que enquanto um homem, já com uma certa idade, que até é a primeira figura da nação, e que estava ali para comemorar mais um Dia de Portugal, era levado em braços, desfalecido, esses protestos não pararam, nem os protestantes mostraram qualquer preocupação humana, quanto mais de Estado. Mário Nogueira lidera o poderoso sindicato dos professores que se notabiliza apenas por ser contra tudo e mais qualquer coisa. A sua experiência de professor é nula. A de político, pelos anos de estratégia de emboscadas que já leva, devia ser de profissional excelentíssimo. Mas também não é. E é por isso que continua onde está e não onde queria estar. Porque a imagem que fica de mais umas celebrações vazias de significado não é a da queda do Presidente. É a do estado em que vai cair o sindicalismo se mantiver estes protagonistas.

Ricardo Sá Fernandes gravou um ato de corrupção. O ato, o da gravação, aconteceu antes da lei que beneficia e estimula quem denuncie este tipo de casos. Talvez por isso, ou simplesmente porque sim, Sá Fernandes foi condenado a uma multa, que agora pode quadruplicar, porque fez a gravação, imagine-se, sem pedir consentimento ao corruptor. Já o outro ato, o de corrupção, até valeu uma condenação a Domingos Névoa. Só que a avaliação da pena está no Supremo Tribunal de Justiça e, como de costume, o caso corre o risco de prescrição, cujos prazos o Governo está para alargar há ano e meio. Mais esta triste imagem da Justiça não fará certamente disparar as denúncias de corrupção e, em consequência, travar o crescimento deste crime. Ninguém arrisca pagar por denunciar. E vendo os negócios de Névoa todos acharão que o crime compensa. Eis pois um caso exemplar do pior de Portugal.

As eleições para a Liga de Clubes, a organizadora dos campeonatos profissionais de futebol, estão envoltas em polémicas e pedidos de impugnação. O presidente, que a maioria dos clubes parecia querer destronar, acabou por ser reeleito na única lista candidata. O golpe de teatro final, que teve cenas de perseguições, acidentes de automóvel e segurança reforçada, se foi organizado pelo próprio merece uma "chapelada": se Mário Figueiredo for tão eficaz e eficiente no seu cargo, o futebol português vai tornar-se uma das melhores ligas mundiais. Mas se foi demérito dos restantes candidatos, é mais um rude golpe para a imagem da nossa justiça e para a utopia dos consensos nacionais: como é que dois juristas como Fernando Seara e Rui Rangel não conseguiram entender-se para apresentar uma lista legal?

Os banqueiros nacionais tinham, até há poucos anos, uma imagem de seriedade e rigor inquestionáveis. Era o mínimo que se pedia àqueles a quem se entregava a gestão do dinheiro: podiam enriquecer, mas a confiança obrigava a que estivessem acima de qualquer suspeita. Tirando da equação o BPN, porque é simplesmente um caso de polícia ainda que sem ninguém na cadeia, os últimos acontecimentos conhecidos, entre livros, investigações ou simples notícias, mostram uma realidade preocupante. Traições, traficâncias, zangas familiares ou pessoais, negócios mal explicados, culpas de mordomos com nome francês, trouxeram à tona um mundo de sombras no qual o sector financeiro nunca podia ter mergulhado. Porque agora será muito difícil voltar à tona da credibilidade necessária.

Marinho e Pinto já não vai integrar o grupo de "Os Verdes" do Parlamento Europeu. Estará ao lado dos liberais. A culpa é do interrogatório feroz a que os ambientalistas da Europa submeteram o homem do MPT. Ecologicamente, o ex-bastonário dos Advogados parece que não tinha nada que se lhe pudesse apontar. O problema nem estaria na defesa de alguns temas mais fraturantes, ainda que nada tivessem também que ver com ambiente. Parece que chegou ao conhecimento dos ecologistas europeus, de mão beijada e sem qualquer objetivo por parte da política do burgo, obviamente, que Marinho e Pinto põe problemas à adoção por casais do mesmo sexo, essa grande causa verde, a par dos efeitos devastadores de El Niño. Quem terá medo deste ogre (ex) verde?

Estes são episódios vagais da semana que passou. Separados, valem o que valem. Mas juntos são preocupantes: mostram o estado do País e de quem o dirige ou quer dirigir.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
14/06/14


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